terça-feira, 29 de maio de 2018

Sem vitórias morais



Donovan Mitchell | Utah Jazz
Eu não queria sair do avião.
Esse é um sentimento que eu nunca vou esquecer — não querer sair do avião. Foi duro cara. O jogo tinha acabado. A série tinha acabado. A temporada tinha acabado. Tinha muita coisa boa que tinha acontecido durante a temporada. Muito boa. Mas nos jogos contra o Houston, de repente era tipo, bem, O.K. Lá vai. Tudo foi desperdiçado.
E agora era tarde, e nós perdemos, e tivemos que voar para casa.
Eu acho que muitas pessoas, apenas olhando o nosso time de fora... Eles devem ter falado, “Oh, essa temporada do Jazz. Ela foi vitoriosa.” Tipo, apenas porque nós excedemos as nossas expectativas e tudo mais, de qualquer maneira isso foi uma vitória.
Uma vitória moral.
Mas o que você tem que entender é — nós não excedemos as nossas expectativas por sermos o tipo de equipe satisfeita com uma vitória moral.
Nós excedemos as nossas expectativas sendo killers (ou assassinos).
Se nós fossemos um tipo de time satisfeito, nós provavelmente não teríamos ido a qualquer lugar. É louco pensar em quantas desculpas esse time tinha para dar. Perdeu uma grande estrela na free agency. Teve as lesões. Teve esse backcourt com um cara novo e um rookie. Mas cara... Em nenhum momento ninguém no nosso time sequer pensou em desculpas. Não pensamos em desculpas ou expectativas, ou algo do tipo. [We didn’t even have chips on our shoulders!*]
*: É ter uma atitude agressiva ou ter um jeito de se comportar causado por acreditar que alguém te tratou injustamente no passado. Algo como esnobado.
Você sabe como é ouvir toda hora — sobre como os caras foram esnobados, e agora eles têm “Chips on their shoulders?” É como, com esse time, nós não tínhamos tempo para se aborrecer com isso. Não tínhamos nem o ego para se aborrecer com isso. Nós não estávamos nos preocupando sobre ser esnobados, ou onde as pessoas esperavam, ou projetaram ou queriam que nós tivéssemos.
Tudo que nos importava era para ser o melhor.
E tudo que tínhamos na cabeça era o objetivo de sermos campeões.
E por isso que foi tão difícil de sair daquele avião em Salt Lake. Era como, nós tínhamos um objetivo... E falhamos. E decepcionamos a cidade.
Mas algo louco aconteceu.
Nós saímos do avião...
E vocês todos estavam lá nos aplaudindo.

E não foi apenas isso que você estava torcendo. Porque é como eu disse: não era uma situação em que estávamos procurando por vitórias morais. Ninguém nesse time queria sair do avião e ser aplaudido por uma vitória moral, aquele troféu de participação “Vocês fizeram o melhor que podiam”. O que é louco é que os fãs aqui... Vocês sabiam disso. Vocês de algum jeito sabiam disso. É difícil descrever — como você pode dizer o que um grupo de pessoas significa simplesmente por como eles estão torcendo. Você não consegue imaginar até isso acontecer. Mas é como se tivéssemos saído daquele avião... E nós ouvimos aqueles aplausos... E nós estávamos em sintonia, cara.
Era como, eles entenderam. Essa não era uma vitória moral. Essa era uma derrota.
Mas apenas uma derrota temporária — porque nós vamos estar de volta no próximo ano, e no ano seguinte, e no seguinte. É temporário, porque esse não é o fim.
Esse é o começo de algo especial.

A todos os fãs que aparecem - é difícil colocar em palavras o quanto isso significou para mim, naquele momento. Quanto eu precisava disso. E quanto vou levar isso para essa offseason e usar isso como combustível para melhorar.
Para conquistar o Oeste.
Para trazer um campeonato para Utah.
E isso é real. O céu é o limite aqui. Nós temos o prefeito de Swat Lake City no Rudy. Nós temos um dos mais perigosos trios de jovens armadores na liga em mim mesmo, Ricky e Dante. Nós temos esse grupo que vai fazer de tudo, tanto na quadra quanto no vestiário, em caras como Jae e Joe. Nós temos um dos melhores — e mais subestimados, se você me perguntar — treinadores da liga em Coach Snyder. E cara, vocês já sabem:
Nós temos os melhores fãs do mundo.
É louco para mim pensar que um ano atrás, eu ainda estava decidindo se eu deveria ou não estar na NBA — ficar na faculdade ou entrar para o Draft. E eu fiz a melhor decisão da minha vida, sem dúvidas. Primeiro, porque eu tive um ano de rookie que eu posso estar orgulhoso. Dois porque cara... Eu amo essa liga. Mas talvez acima de tudo, eu sei que eu fiz a decisão correta porque eu foi a onde eu pertenço.
Jogando para esse time, para essa cidade.
Jazz fãs: Eu vejo vocês por aí nesse verão — e vejo vocês todos em outubro com certeza.
Esperançosamente a próxima vez que nós nos encontrarmos no aeroporto, nós vamos trazer um troféu.


Donovan Mitchell
UTAH JAZZ


O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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sexta-feira, 11 de maio de 2018

Uma carta aberta sobre treinadoras


Pau Gasol | San Antonio Spurs


Eu só gostaria de falar algo sobre meus pais.

Eu fui criado nos arredores de Barcelona, filho de dois grandes profissionais. Meu pai era um enfermeiro e minha mãe, uma doutora. Naturalmente, eu estudei ciências – e depois do ensino médio eu até fiz um ano de medicina, antes de eventualmente me dedicar totalmente ao basquete. Ás vezes penso o que teria acontecido se eu continuasse no ramo da medicina e seguisse os passos dos meus pais.

Eu me lembro de quantas vezes as pessoas se confundiam dizendo que meu pai era o médico e minha mãe a enfermeira – isso acontecia mais do que deveria, na minha cabeça. Para mim, minha mãe era uma doutora de sucesso... era só isso. E não me leve a mal: Eu admiro o trabalho duro do meu pai também. Mas cresci sabendo que minha mãe entrou numa rigorosa escola e faculdade, por isso teve um trabalho mais proeminente. Isso não era estranho, ou algum tipo de julgamento. Era somente a verdade. E nós nunca pensamos nisso duas vezes.

Crescendo, meus irmãos e eu, sempre admirávamos essa postura dos nossos pais.

E agora que sou um adulto, e pensando em ser um pai num futuro próximo, eu percebo como fui sortudo de ter sido criado num ambiente assim. É um ambiente onde apenas uma pergunta precisa ser feita – não é sobre você ser o “tipo certo de pessoa” para o seu trabalho. Invés disso, é sobre o quão bem qualificado você é para este trabalho.

Em 37 anos, eu posso honestamente falar que, eu nunca pensei na minha mãe como uma doutora “feminina”.

Para mim, ela sempre foi apenas... uma doutora.

E uma das melhores também.
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A razão pelo qual eu comecei falando para vocês sobre meus pais, é que a história deles me lembra muito do que está acontecendo na NBA hoje em dia. Especificamente sobre, nos 72 anos de liga, como nunca tivemos uma técnica na NBA. Ainda mais especificamente, me faz pensar na Becky Hammon: uma técnica que está sendo o centro de várias discussões ultimamente, e quem eu tive a oportunidade de jogar para em San Antonio.

Mas se você acha que estou escrevendo isso para argumentar sobre se a Becky é qualificada ou não para ser uma técnica na NBA... bem, então está enganada. A parte óbvia é que: Primeiro, ela foi uma excelente jogadora – com a mente de uma armadora de elite. E segundo, ela foi assistente técnica para o talvez melhor técnico da história. O que mais você precisa? Mas é como eu disse – Não estou aqui para fazer esse argumento. Falar em nome da treinadora Hammon seria muito paternalista. Para mim, seria estranho se times da NBA não estivessem interessados nela.

O que eu gostaria de fazer, é acabar com alguns argumentos fracos sobre a capacidade da treinadora Hammon – e a sobre a idéia de uma técnica na NBA – que eu vi por ai.

O argumento que eu vejo mais vezes é o mais fácil de se derrubar: é a idéia de que, no nível mais alto de basquetebol, uma mulher não pode treinar homens. “Isso, técnicas conseguem treinar no basquete universitário feminino ou na WNBA,” e o argumento continua. “Mas na NBA? A NBA é diferente.”

Primeiro, eu preciso falar uma coisa: Se você esta fazendo este tipo de argumento para alguém que realmente já jogou em qualquer basquete de alto nível, você só vai parecer bem ignorante. Mas eu ainda tenho uma resposta mais simples – que é que eu estou na NBA a 17 anos. Eu ganhei 2 titulos... Eu joguei com alguns dos melhores jogadores desta geração... e joguei para duas das mentes mais brilhantes na historia dos esportes, Phil Jackson e Gregg Popovich. E eu posso te garantir: Becky Hammon consegue dirigir um time. Não estou falando que ela consegue treinar muito bem. Não estou falando que ela consegue treinar mais ou menos. Não estou falando que ela quase consegue treinar no nível dos treinadores masculinos da NBA. Estou dizendo: Becky Hammon consegue treinar uma equipe da NBA. Ponto.

Vou te dizer uma historia rápida pra ilustrar meu ponto. Esse ano, num treino alguns meses atrás, eu estava treinando pick-and-roll com o Dejounte Murray. Era um treino normal, só nos dois sozinhos numa das cestas: Eu fazia a parede e ou iria para o arremesso ou iria para o garrafão. Se eu fosse pro arremesso, Dejounte me daria um passe no peito. Se eu fosse pra bandeja, um passe picado. Como eu disse, muito básico – nós fazíamos isso um milhão de vezes.

Mas o que eu lembro desse treino em especifico, é que em algum ponto, a treinadora Hammon nos parou no meio do ataque. Os técnicos Hammon, Borrego e Messina vieram, e a Becky disse pro Dejounte, “DJ, OK – seu passe picado? Está muito baixo. Você tem que acertar o ele exatamente onde é necessário.” Então depois nós conversamos sobre como eu precisava da bola um pouco mais precisa, com um pouco mais de jeito, para que eu conseguisse uma chance maior de pontuar no garrafão. Então nós repetimos esse movimento algumas vezes, mudando de lado na quadra. É claro que, Dejounte sendo Dejounte, ele aprendeu rápido – e num instante nós estávamos excelentes naquilo. Mas alguma coisa sobre aquele treino grudou comigo. Apenas, como... o nível de conhecimento do jogo que a Becky mostrou, entende?

Ela percebeu um pequeno detalhe com o canto do olho – e instantaneamente já soube o problema e a solução. Não apenas isso, mas nós também conseguimos nos comunicar de um jeito que nós chegamos no resultado preciso. É um bom lembrete, eu diria, da importância de uma boa comunicação entre membros do time – especialmente no nível da NBA. Eu acho que não peguei um passe mal feito pelo resto da temporada.

Outro argumento que eu vi sendo feito – talvez até mais idiota que o ultimo – é que a Becky subiu para sua posição atual por que ter ela no time faria uma “boa impressão do setor de Relações Públicas do Spurs”.

O que?

É sério: O que?

Não. Nós estamos falando na NBA aqui – um lugar onde muito dinheiro está em jogo, e pouco tempo para mediocridade. Também estamos falando do San Antonio Spurs, uma das franquias mais vencedoras deste século: um sistema que produziu David Robinson, Tim Duncan, Manu Ginobíli, Tony Parker – e estes são só os do Hall da Fama. Esse é um time que ganhou 50 ou mais jogos por 18 temporadas seguidas, e 5 títulos nos últimos 20 anos.



Você realmente espera que o Pop desenvolva sua comissão técnica diferente dos seus jogadores? Claro que não.

O único motivo para o Pop fazer algo é saber se isso vai nos ajudar de apenas um modo... e isso não é ganhar boa impressão do R.P.

É ganhar. E ganhar do jeito dos Spurs.

OK – e tem mais uma coisa. É quase estúpido colocar isso aqui... mas ao mesmo tempo, por outro lado, eu acho bem importante. E chega a algo sobre esta liga, no grande plano, que eu estou pensando bastante recentemente.

E é a idéia de que, se tivesse uma treinadora na NBA, existiria algum tipo de “estranhamento no vestiário.”
Talvez você esteja rindo para si mesmo lendo isso. E eu entendo. É ridículo. Mas acho que é importante levar a serio, por um momento – só em termos de quão vergonhoso é para essa liga, ter pessoa que realmente pensam assim.

Primeiro, a idéia em si: Então, é um mito. Me da um tempo. Não tem nada para dizer sobre. Os jogadores se vestem em um lugar, a comissão técnica em outra. OK? E sim, dentro da parte dos técnicos, Becky tem seu espaço privado. Mas o ponto é – você não vê o técnico compartilhando do mesmo espaço que os jogadores enquanto se trocam. Isso não acontece. Então tudo que eu posso lhe falar é que, tendo uma década e meia de experiência pessoal... essa linha de pensamento – como eu disse, isso tudo é vergonhoso. Em termos de vestiário e de pro trás da cena, não existe uma diferença pratica entre ter um treinador ou uma treinadora nessa liga.



Mas também acho que isso vai mais fundo, quando as pessoas fazem esse argumento – de um jeito que realmente me incomoda. Vai para essa idéia de que... enquanto nós estamos fazendo todos esses importante avanços na nossa sociedade, em termos de aumento da nossa inclusão social, e fazendo esforços para idéias de igualdade e diversidade, criando um mundo mais inclusivo... por algum motivo, os esportes deveriam ser um exceção. É essa idéia, para algumas pessoas, que os esportes deveriam ser este abrigo, onde é OK ter a mente fechada – como uma bolha para toda nossa ignorância. E nós sendo atletas, se tivermos algum problema com o jeito como as coisas são, devemos (como eles dizem) “ficar apenas com esportes”.

Então quando eu vejo argumento – ou até piadas – de que não devemos ter treinadoras na NBA por causa das “situações de vestiário” ou qualquer coisa... Eu acho que isso me lembra, que por mais que nós tenhamos avançado tanto nessa liga nos últimos anos... ainda temos muito para mudar. Por que, vamos ser reais: Existem incentivos para diversidade de gênero no trabalho em basicamente toda indústria no mundo. Mais importante – é o certo. E a NBA ainda deveria ter um passe livre só por que alguns fãs querem pegar leve com nós?... por que somos “esportes”?

Realmente espero que não.

Espero que a NBA nunca se sinta satisfeita em ter pensando avançado “para uma liga de esportes”. Vamos nos esforçar em ter o pensamento mais avançado do que qualquer outra indústria.

Semana passada, não sei se você viu, mas o Suns contratou o primeiro técnico nascido na Europa da historia da NBA, Igor Kokoškov.

De qualquer maneira, isso foi uma noticia muito legal para a liga. Mas num nível pessoal... cara, vou ter que te falar: foi um momento especial pra mim. São 17 anos desde que fui escolhido no draft – e ainda posso lembrar de comentários na época. Era tipo, Ah, não... vocês não podem escolher um europeu com a terceira escolha. É loucura. Talvez no fim do primeiro round, sim. O garoto tem potencial afinal de contas. Mas top 5??? Top cinco... eles estão procurando por um jogador de franquia. Alguém com instinto assassino, e capacidade de liderança. E esses europeus – eles são moles, cara. Não, você não pode pegar esse cara com a terceira escolha.

E é claro que eles me pegaram com a terceira escolha. Agora, você vê que jogadores europeus são cotados alto no draft todo ano. É só bem ordinário. Esse ano, com Luke Dončić, quem sabe – talvez outro numero 1 vindo da Europa.

E esta sendo o mesmo com técnicos. No começo, nenhum time na liga estava afim de assistentes estrangeiros. Mas alguns times inovaram e começaram a fazer... e tiveram sucesso. E então você vê outros times fazendo o mesmo. E agora, Igor tem o trabalho de comandar o Suns.

E eu não quero comparar Igor com a Becky, por que não acho que é a mesma coisa. Mas eu penso que isso é lindo, sabe, ver a NBA começar a ver o resto do mundo. Por que é um mundo grande, né? E eu penso que todo momento que você expande seu horizonte, para algo novo e significativo... só pode te fazer uma pessoa melhor.

E também é por isso que eu estou tão feliz em ver esta liga estar à frente de tantos problemas importantes. E vejo que estamos nos juntando por algo tão importante como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam)... Vejo quando caras como o DeMar (DeRozan) e o Kevin (Durant) falando e sendo abertos quanto os seus emocionais... Vejo quando pessoas como o Adam Silver, nosso comissário, marchando numa parada LGBTQ... Vejo quando MVPs como Steph e LeBron mostrando para o mundo que ninguém é famoso demais para usar suas redes sociais para defender o que acreditam... e é claro, vejo quando uma franquia como o Bucks esta dando a oportunidade de uma entrevista para o lugar vacante de treinador principal para um candidato que – homem ou mulher – absolutamente merece.

Eu vejo isso em todo lugar na liga hoje, e me enche de orgulho.



Por que pra mim, esta liga – é minha família. E uma das coisas que vem em quando se tem uma família... é que vocês são os que podem ser mais importante para os outros. Vocês são os que podem contar um ao outro como é. Pois no final do dia, você sabe que tudo é só amor.

Então o que eu diria para minha família da NBA agora, eu acho que é, Ei – vamos continuar com o bom trabalho. Vamos nos orgulhar.

Mas também não podemos nos satisfazer.

Vamos reconhecer que um protesto não significa que nós resolvemos o problema de desigualdade racial neste país. Uma parada não significa que nós estamos fazendo tudo que podemos para o movimente LGBTQ. E uma entrevista de treinador não significa que resolvemos o problema de diversidade de gênero no nosso trabalho.

Uma liga mais complacente pode dar uma olhada nessas conquistas – e se sentir confortável falando, OK, nós conseguimos, nós terminamos. Mas a NBA não é uma liga complacente.

É uma ótima liga.

E para mim, uma ótima liga daria uma olhada nisso, e diria, nós trabalhamos muito e mostramos grande crescimento... mas ainda a muito o que fazer. Uma ótima liga diria, isso, esse é o progresso – mas esta não é a linha de chegada.

Espere e verá. Estamos apenas começando.


Pau Gasol
SAN ANTONIO SPURS
Carta traduzida pelo @PTXpecial

O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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