segunda-feira, 23 de abril de 2018

Swat Lake City



Vinte e cinco. Eu quero que você se lembre do número 25.

Esse é o número de jogos que o Jazz venceu em 2014. Minha temporada de rookie.

É bem possível que você não saiba disso. A não ser que você seja um verdadeiro fã (grite, Swat Lake City) é bem possível que você não passou muito tempo pensando sobre o Utah Jazz. Nós todos sabemos disso. As vezes ser esquecido é pior do que qualquer percepção negativa. Essa é uma das minhas memórias do meu ano de rookie. Eu me lembro da minha visão do banco — ou na verdade, do chão ao lado do banco de reservas, porque o banco estava cheio e eu era um rookie. Eu me lembro como me sentia, tão perto do jogo mas na verdade tão distante. Eu lembro como é o sentimento de perder mais de 57 vezes, e como eu me sentia ao ouvir o estouro do cronometro depois de cada derrota, e levantar e ir para os vestiários. O foco nunca éramos nós — as entrevistas pós jogos, os melhores momentos. Era sempre sobre os vencedores. Parecia que éramos invisíveis.

Trinta e oito. Esse é outro número que eu quero que você se lembre.

Meu segundo ano na liga, nós vencemos 38 jogos. Eu joguei todos os 82 jogos naquele ano e tive muitos minutos. Meus números cresceram para oito pontos e 10 rebotes por jogo. E o mais importante (!) Eu não estava mais sentado no chão ao lado do banco de reservas.

Nós estávamos indo na direção certa, e acho que a razão principal: Nós tínhamos Quin. Era a primeira temporada do treinador Snyder com nós.

Quin realmente me surpreendeu na primeira vez que nós nos encontramos. Foi no treino de pré temporada de setembro de 2014. Eu passei o verão jogando a Copa do Mundo pela seleção da França. Para ser honesto, eu não sabia se o treinador me conhecia. Uma das primeiras conversas que tivemos, ele veio até mim e disse que tinha assistido a todos os jogos da França na Copa do Mundo.

Não era besteira — ele estava trazendo jogadas específicas de determinados jogos. Ele lembrava de como perdemos para a Espanha na fase de grupos — por 24 pontos — e ele lembra de como enfrentamos eles nas quartas de novo e vencemos. Nós surpreendemos muitas pessoas. A Espanha tinha os irmãos Gasol, Serge Ibaka, Ricky Rubio, uma ótima equipe. Era considerado o melhor time da Europa. A França estava meio esquecida naquele ano.



Eu lembro o que o técnico disse. Ele disse que ele queria que eu jogasse todos os jogos da mesma maneira que eu joguei contra a Espanha — até quando ele fosse o meu treinador, ele iria me forçar ao limite. Eu não o conhecia muito bem mas posso te dizer que ele estava falando sério. Ele estava falando sério sobre em como treinar o time e sério sobre a construir um time em Utah que as pessoas não pudessem ignorar. Sério sobre trazer de volta o respeito e o entusiasmo que John Stockton e Karl Malone primeiro trouxeram aqui. “Se você jogar como jogou nesse verão, nosso time é capaz de fazer qualquer coisa”, ele me disse.

Ele perguntou se eu estava disposto a fazer aquilo. Eu assenti.
Por dentro, eu estava pegando fogo.
Meu objetivo na NBA naquele ponto era apenas ter uma chance de competir. Ninguém sabia o meu nome no ano de calouro. Eu acreditei que se eu tivesse aquela chance, as pessoas veriam. Eu precisava que alguém para me dar essa chance.
Grite, técnico.


Dezoito. Esse é um número engraçado para mim. Eu acho que eu tinha 18 anos na primeira vez que eu realmente tive um corte de cabelo.
Antes disso, minha mãe sempre cortava meu cabelo. Ela é a pessoa mais trabalhadora que eu conheço. Ela sempre teve vários empregos de uma vez só. Ela cortava cabelo, trabalhava em restaurantes — basicamente qualquer coisa que ele pudesse fazer para me sustentar, ao meu irmão e irmã. Eu cresci em Saint-Quentin, uma cidade de médio porte ao norte de Paris. Nós sempre tivemos o suficiente para comer e um teto sobre nossas cabeças. Nosso apartamento era bem simples. Era muito parecido com os projetos que você pode ver nas cidades americanas.
“Seja feliz com o que você tem” minha mãe sempre nos dizia.
Meu irmão e irmã eram mais velhos do que eu. Eu era o caçula. Minha irmã saiu de casa quando eu era muito novo. Meu irmão morou com nós até ele ir para a universidade aos 19, e foi só quando ele saiu que eu consegui ter meu próprio quarto. Até eu ter cerca de 11 anos, eu dividia o quarto com minha mãe.
Olhando para trás, eu posso ver o quanto obviamente foi difício para ele, trabalhando direto e tomando conta de nós, mas ela nunca me fez sentir como se eu fosse um incomodo — mesmo que as vezes eu fosse.

Eu tinha muita energia quando era criança. Quando era pequeno, eu estava envolvido em brigas na escola. Então toda chance que ela tinha, ela colocava meu nome para praticar algum esporte depois da escola. Ela me colocou no Karate. Me colocou no atletismo. Ela me colocou no box. Quando eu tinha 11, ela me colocou em um time de basquete. Foi quando eu comecei a cair de amor por esse jogo.

De todos os esportes que a minha mãe me forçava a jogar, basquebol foi o que mais fez sentido para mim. Eu era maior que todas as outras crianças, e meu pai jogou basquete profissionalmente e pela seleção da França nos anos 80 e 90. Então eu acho que o jogo É parte do meu DNA. De repente, eu encontrei um lugar para depositar toda a minha energia. Eu comecei a chamar atenção na escola  — começou a parecer que eu teria futuro jogando basquete. E isso era algo muito raro para alguém de Saint-Quentin.

Eu fui para outra escola quando eu tinha 12. Era uma hora do apartamento de minha mãe. Na maioria dos finais de semana eu iria para casa. Ela cortava meu cabelo, perguntava como estavam as minhas notas. Essas são uma das melhores memórias da minha vida.

Minha mãe — ela sentia muito a minha falta. Quando eu iria para casa ou falava com ela no telefone, eu tentava não mostrar se eu tivesse passando por uma situação ruim. Eu lembrava o quanto ela tinha que trabalhar direto para nós termos a chance de comer e ir para a escola, e de como ela chegava em casa todos os dias exausta. Ela estava feliz por sacrificar tudo para que os seus filhos tivessem um futuro. Tendo 12 ou 13 anos, era difícil. Eu não queria preocupar ela.

Quando eu tinha 15, me mudei de novo — ainda mais longe — para a cidade de Cholet, cinco horas de carro da nossa casa, para uma escola onde eles tinham um bom time de basquete. Isso significava que eu não poderia ir mais para casa nos finais de semana. Eu falava com minha mãe pelo telefone quando podia, mas eu só podia ir para casa algumas vezes nas férias.

Nos próximos três anos, eu joguei basquetebol pelo time de Cholet Junior, eu sei que foi difícil para minha mãe lidar comigo se mudando para muito longe de casa tão novo — eu era seu último filho, e eu era muito mais jovem do que quando meu irmão deixou nossa casa. Ela se preocupava comigo direto — se eu estava quente o suficiente, se eu estava fazendo amigos, ou se eu tinha o suficiente para comer. Mas ela sempre entendeu que eu estava fazendo o que eu queria. E mais do que tudo, ela sempre me encorajou a alcançar os meus sonhos.

Em 2013, eu descobri que meu sonho se tornou realidade. A única coisa era que eu estaria me mudando para um lugar que eu nunca tinha ouvido falar.

Salt Lake City.



Antes de ir para Utah, tudo o que eu sabia sobre a Ameria, vinha da TV ou filmes. E eu não acho que um único programa de TV ou filme que assisti tenha algo a ver com Utah, então eu não tinha ideia do que esperar quando cheguei aqui. A única coisa que eu realmente sabia sobre todo o estado de Utah, era que Karl Malone tinha jogado aqui.

A primeira vez que eu encontrei com Karl foi durante um treino no meu ano de rookie. Ele foi muito legal, e me deu muito apoio. Ele disse que estava empolgado para ver o que eu poderia trazer para o Jazz. Nós conversamos sobre coisas de pivôs e ele se ofereceu para praticarmos alguns treinos. Sua resistência nesses treinos foi uma coisa reveladora para mim. Quando penso nisso, só me lembro de seu antebraço. Eu estava marcando ele no poste baixo e ele colocou um antebraço em mim. Era uma rocha. Este pode ser o homem mais forte que eu já vi na minha vida. Karl Malone, 50 anos. A força com a qual ele deve ter jogado em seu auge - eu não posso imaginar isso. Ele me fez querer ser um defensor melhor.

Sei que mencionei a Copa do Mundo como um momento decisivo para mim, mas houve muitos momentos desde que cheguei a Utah que nunca esquecerei.


Eu vou sempre lembrar de caras como Richard Jefferson, um mentor para mim quando eu era rookie e não conhecia ninguém. Na verdade, todo o time do Jazz quando eu cheguei aqui em 2013 me ensinaram como ser um profissional. Mesmo não tendo muito tempo de quadra, e não ganhando muitos jogos, eu não era tratado como um rookie. (exceto pelo fato de sentar no chão ao lado do banco de reservas.) Uma vez draftado, eu era parte do time e era isso.

Eu vou lembrar do nosso primeiro treinamento de pré temporada, que na minha cabeça era como um treino militar. Foi uma das semanas mais difíceis da minha vida. Eu percebi, olhando para trás, o quanto eu precisava me ajustar vindo da equipe junior francesa para a NBA. Eu vou lembrar o quanto nós éramos ignorados e esquecidos nas primeiras temporadas. O técnico Quin sempre nos lembra para continuar trabalhando nisso — continuar melhorando — e eventualmente vamos conseguir a atenção e o respeito das pessoas.

Eu vou lembrar do último ano, durante o All-Star Game — de como me senti por não ter sido chamado. De como eu senti que merecia um lugar mas não conseguir, parecia que ninguém fora de Utah estava falando sobre mim. Foi a primeira vez em minha carreira que eu senti daquele jeito, e não é que eu não tenha feito parte da equipe, parece que não estava nem na conversa sobre isso.

Eu vou lembrar do último ano, sendo varrido na segunda rodada dos playoffs. E da pós temporada, quando todos estavam dizendo que a saída do Gordon Hayward significava que nós iríamos ter um rebuild.

Eu vou lembrar de quando Donovan Mitchell chegou.

Eu vi o Donovan jogar pela primeira vez na Liga de Verão, e meu primeiro pensamento depois de vê-lo foi: ele pode jogar na defesa. Eu sempre vejo como um cara novo se adequa na defesa - ele joga tão duro na defesa quanto ele joga do outro lado? Donovan fez. Eu respeitei isso imediatamente. Quando ele marcou 41 seu segundo mês na liga... caramba, eu sabia que ele seria especial.

Grite Donovan, nosso novato. Nosso cestinha. O novato do ano.

Mas o que mais me lembro é o conselho da minha mãe.

Seja feliz com o que você tem.

Eu ainda sou. Estou feliz com nossa equipe, nosso técnico e nossa cidade. Vocês são os melhores.

Mas eu preciso fazer uma mudança na frase favorita da minha mãe. Espero que seja O.K.,
mamãe.

Seja feliz com o que você tem, mas saia e conquiste o que é seu.

No primeiro dia do treino de pré-temporada eu disse que estaríamos de volta aos playoffs este ano. Talvez algumas pessoas achassem que era um tiro longo. Nosso começo pode ter sido lento. Eu machuquei um dos meus joelhos, depois o outro, tudo em um mês. Mas na minha cabeça eu sempre soube que nós surpreenderíamos a todos. Agora estamos aqui e estamos tão saudáveis ​​quanto estivemos durante toda a temporada. Estamos tão confiantes também. Temos o melhor rookie da NBA. Nós temos a melhor defesa na NBA. Nós temos um dos melhores treinadores. Mas ainda não temos o que queremos.


Eu vou te deixar com um último número.

19,911.
Essa é a capacidade máxima no Vivint Smart Home Arena. Qualquer equipe que queira um pedaço de nós terá que vir para Salt Lake City e lidar com todos os 19.911 de vocês. Talvez ninguém mais acredite em nós, mas esse problema é deles. Sabemos que ainda estamos sendo esquecidos. Em Utah, as pessoas já viram isso antes. Agora é a hora de buscar o que sabemos que merecemos. Agora é a hora de nos certificarmos de que eles nos ouvem.
E nós vamos precisar de todos vocês.
De cada um.


Rudy Gobert
UTAH JAZZ

O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

Siga-nos também no Instagram e no  Twitter.

Nenhum comentário:

Postar um comentário