quinta-feira, 26 de abril de 2018

Eu sinto falta do Sonics



As pessoas vêm até mim quando me veem em Seattle e dizem coisas do tipo, “Hey, onde você está morando agora, cara?”
“Seattle, cara. Eu nunca parti.”
Ninguém acredita em mim quando eu falo que estou aqui desde 1989. Quero dizer, depois de eu deixar o Sonics para ir para Cleveland — por volta de 1997 — eu rodei um pouco na NBA antes de a minha carreira terminar. Mesmo quando eu estava jogando na Italia, eu sempre mantive minha casa em Seattle. Não tinha duvida de que voltaria algum dia. E, você sabe, muita coisa mudou aqui. O coração da cultura ainda é o mesmo. Mas muita coisa mudou
Mas cara, a cidade não é mais a mesma sem o basquete. Não é como costumava ser.
Isso é engraçado de pensar agora, mas em 1989 eu era o cara mais jovem da NBA. Um garoto de 19 anos — e eu sou o primeiro a admitir que eu não sabia nada sobre como ser um profissional ou viver sozinho. Não parecia grande coisa para mim. Eu era jovem. Eu estava faminto. Eu queria enterrar nos tolos, sair a noite, e enterrar neles de novo no próximo dia.
E eu tive sorte. Muito dos caras que entram na liga com essa mentalidade não duram muito. Eu aprendi com cara como Xavier McDaniel, Nate McMillan, Michael Cage — os veteranos que estavam em Seattle quando eu cheguei lá. Todos eles me ensinaram desde cedo que havia muito mais no jogo do que esperar para dar uma enterrada.
Meu ano de rookie foi uma grande transição. Eu era um adolescente que tinha que começar a seguir regras, treinar duro na academia todos os dias, estudar os outros jogadores – apenas me educando no basquete. Eles sempre dizem, “É um emprego”, mas isso só se torna um emprego se você aprender a como lidar isso como um emprego.
Então foi assim meu ano de rookie — crescendo um pouco. Quando voltei para o meu segundo ano, eu estava pronto para mostrar todo meu potencial. Eu não iria deixar nada me distrair de ser dominante.
Nós tivemos a segunda escolha do draft daquele ano.
Nós escolhemos um cara chamado Gary Payton.


Gary já tinha falado, especialmente vindo de Oregon-Washington. Ele era um All-American. Ele já estava na capa da Sports Illustrated, tudo isso.
Eu me lembro da primeira vez que eu o vi jogar. Foi no meu ano de rookie. Eu acho que foi em uma sexta-feira a tarde, e o nosso GM, Bob Whitsitt, me chamou. Ele me disse para assistir o jogo de Oregon State-USC na TV porque tinha a possibilidade de Gary ser meu futuro companheiro de equipe. Foi engraçado, ter um GM pedindo para você dar uma de scout — como realmente assistir, realmente estudar o jogo de um prospecto. Naquela época eu estava tentando ser um profissional e um bom companheiro de equipe. Eu queria levar meu trabalho a sério.
Você sabe qual foi a minha memória principal daquele jogo? O trash talk do Gary. Não a defesa dele, foi o seu trash talk. Ele falava com todos. De antes de a bola subir, até o apito final ele estava falando — e tipo, com raiva, não brincando. Nos dois lados da quadra, aos caras no banco de reservas, aos fãs do USC, árbitros — não importava. Ninguém estava salvo. Eu me lembro de colocar a minha cadeira perto da TV para tentar ouvir o que ele estava falando para o técnico da USC. O técnico do time adversário, cara! Um garoto da faculdade. Eu amei aquilo. Gary tinha algo a dizer para todos.

Ele terminou o jogo com 58, se não estou enganado.

Logo depois que o jogo terminou, eu liguei para o nosso GM.

“Se nós escolhermos um cara como esse, você não terá que fazer nada para me motivar.”

Isso foi o que falei a ele.

“Se nós pegarmos Gary.  Nós dois nos daríamos muito bem.”

Bernie Bickerstaff foi o técnico no meu ano de rookie. Depois K.C.Jones entrou no próximo ano, ano de rookie do Gary. Logo de cara, Gart e K.C. não se deram bem. Muitos anos depois, Gary e eu ainda falamos sobre como K.C. ensinou nós, o quão importante ele foi no nosso desenvolvimento. Ele era durão, mas você tem que lembrar. K.C veio do Celtics, de uma cultura vencedor, treinando alguns dos melhores jogadores da liga. Ele preparava jogadas para o Larry Bird e o Kevin McHale.

Então, de repente ele teria que criar jogadas para Shawn e Gary. Com nós, cara, nós éramos garotos. Nós tínhamos muito talento, mas não sabíamos lidar com aquilo ainda.

Eu acho que as pessoas não apreciam realmente o que K.C. Jones fez pelo time do Sonics. Mesmo naquele um ano, ele ensinou a nós muito sobre maturidade fora e dentro da quadra. Gary e eu ainda conversamos sobre o quanto ele nos preparou para os próximos anos.

Uma das coisas que eu demorei a conseguir foi ser consistente em todos os jogos. Na NBA, você tem que estar preparado para vencer todas as noites. Eu sei que isso é cliché, mas a verdade é que quando começamos com o Sonics, nós tivemos sorte. Eles já eram um time .500, com caras veteranos que conheciam a liga. Nós poderíamos ir lá e jogar um ótimo jogo, apenas no instinto. Fora da quadra, Gary e eu passaríamos nosso tempo em bares, ou jogando golf. Nós tentávamos fazer de tudo um pouco. Mas os grandes times da NBA, eles nunca tiravam um dia de descanso. Você treina durante toda a semana e, de repente, você está jogando contra uma dessas equipes, você é espancado.
Eu me lembro quando Xavier McDaniel me disse, na cara, que nós não poderíamos por o time nessa situação. Os veteranos não queriam perder tempo, e não apenas por as suas janelas estarem se fechando. Também era porque eles abordavam o jogo como profissionais.
Xavier e esses caras, salvaram eu e o Gary de ter uma carreira esquecida. Eles empurravam e tentavam nos manter responsáveis. Era engraçado porque eu era um pouco mais fácil de lidar. Definitivamente levou mais tempo para todos entenderem o Gary. Como eu disse, quando eu entrei na NBA, eu era confiante, mas ainda um bebe. Eu acho que eu percebi que todos me viam como um adolescente que veio direto de um high school em Indiana. Quando os caras mais velhos falavam para eu fazer algo eu fazia. Não fazia nada além disso. Isso é apenas o que qualquer um passa como rookie. Talvez você tenha que carregar uma mala extra ou pegar uma coca para alguém. Para mim não era grande coisa.
Gary, no entanto, não. Ele não estava tentando fazer essas coisas.
Ele foi a segunda escolha no draft e ele andava por aí como, sabe, carregar a bolsa de um cara não estava em seu contrato. Os caras ocasionalmente ficavam irritados com ele, mas na maioria das vezes todos deixavam as coisas para trás porque sabiam que Gary realmente tinha as habilidades e o coração aguentar o que ele dizia. É como se, mesmo em seu ano de rookie, todo mundo via como - Gary poderia ser o futuro dos Sonics. Mas se você fosse contar todos os jogadores ou técnicos que inicialmente não se deram bem com ele, então você não terá um banco muito profundo. Então houve um período de adaptação com Gary e todos. Mas valeu a pena.

Quando Gary se adaptou, todos viram o quão sortudos nós éramos tê-lo - e não ter que jogar contra ele. Gary fazendo o trash talk para todos no treino nos motivou. Nos fez melhor. Ele era um problema, mas ele era nosso problema.
Tem uma história que o Gary conta sobre um jogo de pré temporada onde ele faz o trash talk com o Michel Jordan e MJ envergonha ele. Eu me lembro daquilo. Eu acho que para o resto do time, quando vimos Gary falando merdas na cara do Jordan foi algo como... Foi simbólico. Foi um grande sinal. Uma criança escolhendo uma briga com o valentão da escola.


Eu sou sortudo. Eu vi MJ no auge, o começo dos anos 90-MVP-vindo-para-matar-você Michael Jordan. Eu estava apenas a um ano na liga naquele ponto, mas vamos lá — não demorou muito para todos perceberem que quando você jogava contra Michael, você poderia estar saindo do melhor jogo da sua vida, jogando em casa, jogando no seu aniversário - ele poderia ter a maldita gripe - o que for. Todas as probabilidades poderiam estar a seu favor, e então MJ marcaria 25 no primeiro tempo, mostraria a língua... apenas apontar em toda a sua organização. Ele viveu para isso.

Então, quando vimos o quão destemido Gary estava com Michael, nós o encorajamos. Todos iríamos ao seu ouvido, dizíamos para ele continuar, não para recuar. Gary nos deu toda aquela coragem e aquela luta que Seattle teve por muitos anos lá. Depois de algum tempo, conseguimos uma reputação. Seattle era físico. Nós íamos falar muito. Não importa se estávamos ganhando ou perdendo, essas equipes do Sonics eram especiais porque sempre pensamos que tínhamos uma chance de lutar.
Aquele foi o momento de rookie do Garry, e nem é tão ruim assim. Michael era Michael.
Quando eu joguei contra Bill Laimbeer pela primeira vez, eu peguei um pouco daquele remédio.
Era 1989. Eu vindo do banco como um rookie. Os Bad Boys em Detroit ainda estavam em pleno vigor, e vindo do seu primeiro campeonato.
Eu vinha jogando bem por algumas semanas. Nós estávamos ganhando jogos e eu estava enterrando em todo mundo. Eu estava pensando que iria dominar para sempre, como quando você está brincando com as crianças da vizinhança com o aro abaixado.
Nós tínhamos os Pistons pela frente e no começo do jogo. Eu tive um caminho aberto e enterrei em cima do Bill Laimbeer. Detroit pediu tempo. Eu estava me sentindo bem, vindo do tempo de quadra, eu vi Laimbeer apontando para mim.
Ele está apontando para mim?”
Ele não está apontando para mim, eu acabei de enterrar na cara dele.
Então eu apontei o dedo de volta para ele.
Os Bad Boys não tinham esse apelido apenas por causa que eles eram bons na defesa. Eles eram caras maus. Eles te machucariam, eu nunca tinha jogado basquete contra caras como eles. O tempo de quadra expirou, nós pegamos um rebote, e no outro lado alguém passou a bola para mim no garrafão.
Laimbeer estava atrás de mim.
Eu não sei o que aconteceu em seguida. Eu acordei no hospital.


Vou te contar uma coisa. Eu durmo muito mais do que costumava.
Sempre saindo, batendo nos clubes com Gary depois dos jogos. Parece que foi há muito tempo atrás. Ainda nos reunimos de vez em quando. Mas relaxou muito.
Minha mãe e a mãe do Gary ficaram amigas. Conheci a família de Gary e ele conheceu a minha muito bem. Nós até vimos nossos filhos jogarem basqute pelo universitário uns contra os outros em Seattle, não muito tempo atrás.
É surreal, cara. Nós brincávamos sobre isso muitos anos atrás, que um dia nós estaríamos assistindo nossos filhos jogarem basquete como nós fizemos.
E agora é tipo — ver o que acontece com eles na faculdade — é difícil de acreditar. Tendo a chance de dividir alguma das experiencias que tivemos como jogadores com nossas crianças e com as famílias uns dos outros... se você olhar para os tipos de homens que éramos naquela época e quanto mudou ao longo de tantos anos, é loucura.
 

Eu fui pai durante toda a minha carreira como jogador de basquete. Eu perdi muitos momentos com a minha família enquanto eu estava jogando, e isso as vezes é difícil de pensar sobre isso. E eu posso te dizer que eu certamente não era o melhor modelo para as minhas crianças. Mas eu sempre tentei aprender. E eventualmente você aprende isso, como o basquete — um compromisso importante diário.

Paternidade, basquetebol. Tudo demanda tempo. Exceto que na paternidade não tem técnicos ou veteranos te observando para ver se você está fazendo a coisa certa. Você está sozinho o caminho todo. Realmente, sou muito grato pela minha família, pela minha carreira e por ter feito algumas amizades duradouras. Grato por tudo.
“Stockton e Malone” é o que eu e Gary costumávamos a dizer nos treinos. Eles eram caras que nós nos espelhávamos, em primeiro lugar quanto tentávamos polir o nosso jogo. E é engraçado, esses são dois caras que você não pode mencionar o nome de um sem pensar no outro.
É uma honra agora quando eu ouço as pessoas falar a mesma coisa sobre Gary Payton e Shawn Kemp. É algo além do basquete — uma história na quadra e uma verdadeira amizade fora dela, mesmo todos esses anos depois.


Ainda estou aqui em Seattle, cara. Estou casado a 23 anos. Fui de passar todo o tempo na estrada sendo um marido e pai. Eu vi a cidade mudar muito, mas ainda tem os mesmos fãs apaixonados, e ainda é uma cidade que ama basquete, mesmo sem um time para torcer. Desde o dia que eu cheguei, sempre fui tratado muito bem pelas pessoas daqui. E o amor durou muito mais que minha carreira. Fui recebido de volta de braços abertos assim que meus dias de jogador terminaram.
O basquete me levou ao redor do mundo, depois de ver tanto por tantos anos, eu posso dizer com absoluta certeza que não tem outro lugar no mundo onde eu queria estar.
Mas tem algo que não está certo. Alguma coisa está faltando. Nós precisamos do Sonics de volta.
Grandes momentos do esporte aconteceram aqui. Muitas lendas dos esportes tiveram seus momentos em Seattle. Eu sei que se a NBA trazer um novo time seria uma bagunça, mas parece que está aqui sem o Sonics.
Eu acredito que vai acontecer — nós vamos ter o time de volta algum dia. Não sei quando ou como, mas eu sinto isso. Basquetebol vai voltar a Seattle.
E eu ainda estarei aqui quando isso acontecer.
O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Swat Lake City



Vinte e cinco. Eu quero que você se lembre do número 25.

Esse é o número de jogos que o Jazz venceu em 2014. Minha temporada de rookie.

É bem possível que você não saiba disso. A não ser que você seja um verdadeiro fã (grite, Swat Lake City) é bem possível que você não passou muito tempo pensando sobre o Utah Jazz. Nós todos sabemos disso. As vezes ser esquecido é pior do que qualquer percepção negativa. Essa é uma das minhas memórias do meu ano de rookie. Eu me lembro da minha visão do banco — ou na verdade, do chão ao lado do banco de reservas, porque o banco estava cheio e eu era um rookie. Eu me lembro como me sentia, tão perto do jogo mas na verdade tão distante. Eu lembro como é o sentimento de perder mais de 57 vezes, e como eu me sentia ao ouvir o estouro do cronometro depois de cada derrota, e levantar e ir para os vestiários. O foco nunca éramos nós — as entrevistas pós jogos, os melhores momentos. Era sempre sobre os vencedores. Parecia que éramos invisíveis.

Trinta e oito. Esse é outro número que eu quero que você se lembre.

Meu segundo ano na liga, nós vencemos 38 jogos. Eu joguei todos os 82 jogos naquele ano e tive muitos minutos. Meus números cresceram para oito pontos e 10 rebotes por jogo. E o mais importante (!) Eu não estava mais sentado no chão ao lado do banco de reservas.

Nós estávamos indo na direção certa, e acho que a razão principal: Nós tínhamos Quin. Era a primeira temporada do treinador Snyder com nós.

Quin realmente me surpreendeu na primeira vez que nós nos encontramos. Foi no treino de pré temporada de setembro de 2014. Eu passei o verão jogando a Copa do Mundo pela seleção da França. Para ser honesto, eu não sabia se o treinador me conhecia. Uma das primeiras conversas que tivemos, ele veio até mim e disse que tinha assistido a todos os jogos da França na Copa do Mundo.

Não era besteira — ele estava trazendo jogadas específicas de determinados jogos. Ele lembrava de como perdemos para a Espanha na fase de grupos — por 24 pontos — e ele lembra de como enfrentamos eles nas quartas de novo e vencemos. Nós surpreendemos muitas pessoas. A Espanha tinha os irmãos Gasol, Serge Ibaka, Ricky Rubio, uma ótima equipe. Era considerado o melhor time da Europa. A França estava meio esquecida naquele ano.



Eu lembro o que o técnico disse. Ele disse que ele queria que eu jogasse todos os jogos da mesma maneira que eu joguei contra a Espanha — até quando ele fosse o meu treinador, ele iria me forçar ao limite. Eu não o conhecia muito bem mas posso te dizer que ele estava falando sério. Ele estava falando sério sobre em como treinar o time e sério sobre a construir um time em Utah que as pessoas não pudessem ignorar. Sério sobre trazer de volta o respeito e o entusiasmo que John Stockton e Karl Malone primeiro trouxeram aqui. “Se você jogar como jogou nesse verão, nosso time é capaz de fazer qualquer coisa”, ele me disse.

Ele perguntou se eu estava disposto a fazer aquilo. Eu assenti.
Por dentro, eu estava pegando fogo.
Meu objetivo na NBA naquele ponto era apenas ter uma chance de competir. Ninguém sabia o meu nome no ano de calouro. Eu acreditei que se eu tivesse aquela chance, as pessoas veriam. Eu precisava que alguém para me dar essa chance.
Grite, técnico.


Dezoito. Esse é um número engraçado para mim. Eu acho que eu tinha 18 anos na primeira vez que eu realmente tive um corte de cabelo.
Antes disso, minha mãe sempre cortava meu cabelo. Ela é a pessoa mais trabalhadora que eu conheço. Ela sempre teve vários empregos de uma vez só. Ela cortava cabelo, trabalhava em restaurantes — basicamente qualquer coisa que ele pudesse fazer para me sustentar, ao meu irmão e irmã. Eu cresci em Saint-Quentin, uma cidade de médio porte ao norte de Paris. Nós sempre tivemos o suficiente para comer e um teto sobre nossas cabeças. Nosso apartamento era bem simples. Era muito parecido com os projetos que você pode ver nas cidades americanas.
“Seja feliz com o que você tem” minha mãe sempre nos dizia.
Meu irmão e irmã eram mais velhos do que eu. Eu era o caçula. Minha irmã saiu de casa quando eu era muito novo. Meu irmão morou com nós até ele ir para a universidade aos 19, e foi só quando ele saiu que eu consegui ter meu próprio quarto. Até eu ter cerca de 11 anos, eu dividia o quarto com minha mãe.
Olhando para trás, eu posso ver o quanto obviamente foi difício para ele, trabalhando direto e tomando conta de nós, mas ela nunca me fez sentir como se eu fosse um incomodo — mesmo que as vezes eu fosse.

Eu tinha muita energia quando era criança. Quando era pequeno, eu estava envolvido em brigas na escola. Então toda chance que ela tinha, ela colocava meu nome para praticar algum esporte depois da escola. Ela me colocou no Karate. Me colocou no atletismo. Ela me colocou no box. Quando eu tinha 11, ela me colocou em um time de basquete. Foi quando eu comecei a cair de amor por esse jogo.

De todos os esportes que a minha mãe me forçava a jogar, basquebol foi o que mais fez sentido para mim. Eu era maior que todas as outras crianças, e meu pai jogou basquete profissionalmente e pela seleção da França nos anos 80 e 90. Então eu acho que o jogo É parte do meu DNA. De repente, eu encontrei um lugar para depositar toda a minha energia. Eu comecei a chamar atenção na escola  — começou a parecer que eu teria futuro jogando basquete. E isso era algo muito raro para alguém de Saint-Quentin.

Eu fui para outra escola quando eu tinha 12. Era uma hora do apartamento de minha mãe. Na maioria dos finais de semana eu iria para casa. Ela cortava meu cabelo, perguntava como estavam as minhas notas. Essas são uma das melhores memórias da minha vida.

Minha mãe — ela sentia muito a minha falta. Quando eu iria para casa ou falava com ela no telefone, eu tentava não mostrar se eu tivesse passando por uma situação ruim. Eu lembrava o quanto ela tinha que trabalhar direto para nós termos a chance de comer e ir para a escola, e de como ela chegava em casa todos os dias exausta. Ela estava feliz por sacrificar tudo para que os seus filhos tivessem um futuro. Tendo 12 ou 13 anos, era difícil. Eu não queria preocupar ela.

Quando eu tinha 15, me mudei de novo — ainda mais longe — para a cidade de Cholet, cinco horas de carro da nossa casa, para uma escola onde eles tinham um bom time de basquete. Isso significava que eu não poderia ir mais para casa nos finais de semana. Eu falava com minha mãe pelo telefone quando podia, mas eu só podia ir para casa algumas vezes nas férias.

Nos próximos três anos, eu joguei basquetebol pelo time de Cholet Junior, eu sei que foi difícil para minha mãe lidar comigo se mudando para muito longe de casa tão novo — eu era seu último filho, e eu era muito mais jovem do que quando meu irmão deixou nossa casa. Ela se preocupava comigo direto — se eu estava quente o suficiente, se eu estava fazendo amigos, ou se eu tinha o suficiente para comer. Mas ela sempre entendeu que eu estava fazendo o que eu queria. E mais do que tudo, ela sempre me encorajou a alcançar os meus sonhos.

Em 2013, eu descobri que meu sonho se tornou realidade. A única coisa era que eu estaria me mudando para um lugar que eu nunca tinha ouvido falar.

Salt Lake City.



Antes de ir para Utah, tudo o que eu sabia sobre a Ameria, vinha da TV ou filmes. E eu não acho que um único programa de TV ou filme que assisti tenha algo a ver com Utah, então eu não tinha ideia do que esperar quando cheguei aqui. A única coisa que eu realmente sabia sobre todo o estado de Utah, era que Karl Malone tinha jogado aqui.

A primeira vez que eu encontrei com Karl foi durante um treino no meu ano de rookie. Ele foi muito legal, e me deu muito apoio. Ele disse que estava empolgado para ver o que eu poderia trazer para o Jazz. Nós conversamos sobre coisas de pivôs e ele se ofereceu para praticarmos alguns treinos. Sua resistência nesses treinos foi uma coisa reveladora para mim. Quando penso nisso, só me lembro de seu antebraço. Eu estava marcando ele no poste baixo e ele colocou um antebraço em mim. Era uma rocha. Este pode ser o homem mais forte que eu já vi na minha vida. Karl Malone, 50 anos. A força com a qual ele deve ter jogado em seu auge - eu não posso imaginar isso. Ele me fez querer ser um defensor melhor.

Sei que mencionei a Copa do Mundo como um momento decisivo para mim, mas houve muitos momentos desde que cheguei a Utah que nunca esquecerei.


Eu vou sempre lembrar de caras como Richard Jefferson, um mentor para mim quando eu era rookie e não conhecia ninguém. Na verdade, todo o time do Jazz quando eu cheguei aqui em 2013 me ensinaram como ser um profissional. Mesmo não tendo muito tempo de quadra, e não ganhando muitos jogos, eu não era tratado como um rookie. (exceto pelo fato de sentar no chão ao lado do banco de reservas.) Uma vez draftado, eu era parte do time e era isso.

Eu vou lembrar do nosso primeiro treinamento de pré temporada, que na minha cabeça era como um treino militar. Foi uma das semanas mais difíceis da minha vida. Eu percebi, olhando para trás, o quanto eu precisava me ajustar vindo da equipe junior francesa para a NBA. Eu vou lembrar o quanto nós éramos ignorados e esquecidos nas primeiras temporadas. O técnico Quin sempre nos lembra para continuar trabalhando nisso — continuar melhorando — e eventualmente vamos conseguir a atenção e o respeito das pessoas.

Eu vou lembrar do último ano, durante o All-Star Game — de como me senti por não ter sido chamado. De como eu senti que merecia um lugar mas não conseguir, parecia que ninguém fora de Utah estava falando sobre mim. Foi a primeira vez em minha carreira que eu senti daquele jeito, e não é que eu não tenha feito parte da equipe, parece que não estava nem na conversa sobre isso.

Eu vou lembrar do último ano, sendo varrido na segunda rodada dos playoffs. E da pós temporada, quando todos estavam dizendo que a saída do Gordon Hayward significava que nós iríamos ter um rebuild.

Eu vou lembrar de quando Donovan Mitchell chegou.

Eu vi o Donovan jogar pela primeira vez na Liga de Verão, e meu primeiro pensamento depois de vê-lo foi: ele pode jogar na defesa. Eu sempre vejo como um cara novo se adequa na defesa - ele joga tão duro na defesa quanto ele joga do outro lado? Donovan fez. Eu respeitei isso imediatamente. Quando ele marcou 41 seu segundo mês na liga... caramba, eu sabia que ele seria especial.

Grite Donovan, nosso novato. Nosso cestinha. O novato do ano.

Mas o que mais me lembro é o conselho da minha mãe.

Seja feliz com o que você tem.

Eu ainda sou. Estou feliz com nossa equipe, nosso técnico e nossa cidade. Vocês são os melhores.

Mas eu preciso fazer uma mudança na frase favorita da minha mãe. Espero que seja O.K.,
mamãe.

Seja feliz com o que você tem, mas saia e conquiste o que é seu.

No primeiro dia do treino de pré-temporada eu disse que estaríamos de volta aos playoffs este ano. Talvez algumas pessoas achassem que era um tiro longo. Nosso começo pode ter sido lento. Eu machuquei um dos meus joelhos, depois o outro, tudo em um mês. Mas na minha cabeça eu sempre soube que nós surpreenderíamos a todos. Agora estamos aqui e estamos tão saudáveis ​​quanto estivemos durante toda a temporada. Estamos tão confiantes também. Temos o melhor rookie da NBA. Nós temos a melhor defesa na NBA. Nós temos um dos melhores treinadores. Mas ainda não temos o que queremos.


Eu vou te deixar com um último número.

19,911.
Essa é a capacidade máxima no Vivint Smart Home Arena. Qualquer equipe que queira um pedaço de nós terá que vir para Salt Lake City e lidar com todos os 19.911 de vocês. Talvez ninguém mais acredite em nós, mas esse problema é deles. Sabemos que ainda estamos sendo esquecidos. Em Utah, as pessoas já viram isso antes. Agora é a hora de buscar o que sabemos que merecemos. Agora é a hora de nos certificarmos de que eles nos ouvem.
E nós vamos precisar de todos vocês.
De cada um.


Rudy Gobert
UTAH JAZZ

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segunda-feira, 16 de abril de 2018

Eles vão te acolher como nenhum outro



Você sabe quando algo está acontecendo quando a sua mãe te liga chamando pelo seu nome completo.

“Victor. O que está acontecendo?”

“Eu não sei, Mãe. Eu realmente não sei.”

Era final de Junho. Eu tinha acabado de chegar em Baltimore vindo de OKC e meu telefone disparou quando eu o liguei. Eu sabia que a troca com o Pacers era real, mas vela em todos os lugares on-line realmente fez isso acontecer. Até mesmo os comentários positivos estavam ficando sob minha pele. Eu estava sentado lá como, eles querem dizer que “cara do vestiário” é um elogio?
Você sabe, você sempre ouve a expressão dizendo que os esportes são um negócio. Mas também é vida. Eu estive em uma troca menos de um ano antes que foi de Orlando, e então naquele momento é difícil não levar isso para o lado pessoal — dois times por qualquer razão que seja desistiram de mim. Isso machuca os seus sentimentos, não importa quem você é ou o quanto você acredita em si mesmo. Então quando a minha mãe estava se perguntando porque as equipes continuavam a me trocar... Eu não sabia o que dizer. Eu não pude apenas dizer a ela que era uma “decisão de basquete.”
Doma foi o próximo que eu entrei em contato. Tinha que ser. Doma é o Domantas Sabonis. É o meu cara. Ele é a única pessoa que vai entender.
Nós fizemos isso antes. Doma estava na troca do Pacers comigo, mas nós também estávamos juntos desde quando ele foi draftado pelo Magic em 2016. Nós fomos trocados juntos para OKC. Agora para Indiana. Então eu sabia que Doma não queria que eu adoçasse a situação, eu fui falar com ele — deixar ele saber o que eu estava pensando. Eu escrevi o que eu sabia que era verdade:
“Eu te prometo, se você vencer em Indiana, eles irão te acolher como nenhum outro.
Eu me senti um pouco melhor na hora. Eu liguei de volta para minha mãe, e disse que tudo ficaria bem. Eu realmente acreditava nisso. Eu não poderia contar a ela exatamente como iria funcionar ou como chegaríamos lá, mas eu sabia. Porque eu sabia que nem toda troca é a mesma, assim como nem todo estado é o mesmo.
E eu sabia que não era qualquer troca. Era o Pacers. Era Indiana, e eu conhecia Indiana.
Eu não estava indo apenas para outro time. Eu estava indo para casa.


Eu cheguei em Bloomington, Indiana em 2010. Vindo de uma high school em Maryland, eu escolhi Indiana por causa da história do programa, mas eu realmente não sabia o quão sério as pessoas em Indiana levam a sério o basquete. Eu acho que ainda hoje poucas pessoas fora de Indiana reconhecem o quanto o basquete significa para o estado. Tem uma cesta de basquete em toda quadra. Tem bandeiras dos Hoosiers e do Pacers por todo lugar. E um grande jogo de high school para a cidade.
E quando você está no time de IU (Indiana University), eles sabem. Tipo, eles realmente fazem questão de conhecer você.
Mas era engraçado, ninguém sabia pronunciar o meu nome quando cheguei lá. Eu me lembro da primeira semana no ano de freshman (primeiro ano), eu tive a mesma conversa com todos os professores.
Oh-la-DIppoOh-la-DYE-poeOh-la-PEE-do. E uma variação disso.
“Ohhh. Oh-la-DEE-poe.”
Tirando isso, meu nome não foi muito comentado no meu primeiro ano. Quando eu cheguei no campus no verão — eles tinham acabado de abrir o Cook Hall — eu estava arremessando algumas bolas na academia quando um cara parou para falar comigo. Não sabia quem ele era. Era tarde da noite, então fiquei preocupado se eu não deveria estar lá.
“O que você está fazendo aqui tarde da noite?”
“Tenho que estar aqui todas as noites se eu quiser jogar na NBA.”
Isso foi o que falei a ele.
“Cara,” ele balançou a cabeça. “NBA? Você tem um longo caminho pela frente.” E ele continuou balançando a cabeça e saiu!
 Mas de verdade, eu tinha problemas de confiança no começo. Eu me lembro alguns meses depois disso, depois de ter treinado todo o verão, no primeiro dia de treino Verdell Jones veio e me rasgou. Ele pontuava em mim, e eu não conseguia fazer nada contra ele no ataque. Eu sentei no banco depois do treino em choque. Eu tinha lágrimas nos meus olhos, literalmente. Eu tinha trabalhado duro a offseason inteira, e pareceu que não serviu para nada.
Então aconteceu de novo no próximo dia. Como um replay do dia anterior. Passou um pensamento pela minha cabeça que eu nunca seria bom o suficiente para jogar no college. Talvez aquela seria a última vez que alguém ouviria de Victor Ooh-lay-PEE-do.
Eu comecei alguns jogos no fim do meu primeiro ano. No segundo ano eu já era titular. Mas não era um nome conhecido nacionalmente... Mas cara, mas eles estavam me conhecendo em Indiana.
E não era apenas o meu nome que eles já sabiam pronunciar. Não, todos me conheciam em Bloomington. Da minha aula às 8 da manhã, todas as manhãs, eu teria que usar fones de ouvido quando eu entrava pela porta até na hora em que me sentasse em minha mesa, para não me atrasar por causa de todas as pessoas que apareciam para tentar falar comigo. Na maioria das vezes não estava tocando música, então eu podia ouvir as pessoas sussurrando meu nome.
Eu queria falar com todos. Eu realmente queria. Era maravilhoso ser reconhecido assim. Toda vez que alguém dizia meu nome ou me apontava, me fazia querer trabalhar ainda mais duro e ser muito melhor na próxima vez que eu entrasse em quadra.
Aqueles três anos em Bloomington, eles me mudaram. Sim, eu me tornei um melhor jogador de basquete, mas foi a primeira vez que eu vi uma comunidade inteira ser tão apaixonada por uma coisa tão simple. Sobre o jogo no qual jogávamos. Aprendi que a interação - mesmo que você pare e converse de vez em quando com a comunidade - pode realmente mudar toda a perspectiva da vida.
Eu aprendi que o basquete pode ajudar você a fazer parte de algo maior do que você mesmo.
Eu fui para a NBA depois do meu terceiro ano na IU, mas eu consegui créditos suficientes para obter meu diploma um ano antes. Depois que a cerimonia de formatura terminou para a nossa turma, aquele cara do meu primeiro dia na academia me deu um tapa nas costas. Ele perguntou se eu me lembrava daquela noite, quando eu disse a ele que iria para a NBA.
Seu nome era Dave. Estava mais certo do que eu.
Hoje Dave trabalha na CAA, e ele é um dos meus melhores amigos. Ele tinha dito que seria um longo caminho, mas ele também disse que não seria impossível.
Até mais, Dave.

Advinha onde foi o meu primeiro jogo no ano de calouro? Indiana. Quando eu fui apresentado, todos se levantam para me aplaudir.
Aquilo é amor. Eu me senti em casa.
Eu não posso dizer o quão especial é quando você pensa em como em apenas alguns anos, você pode ir de ninguém sabendo como pronunciar seu nome, para 20.000 pessoas cantando em uníssono. E eu estava no time adversário
E foi assim todas as vezes que eu voltei. Se eu estivesse jogando por Orlando, Oklahoma, não importa. Se eu saísse em Indiana, seria abraçado pelo povo. Todos lembram dos anos que joguei no college e falam sobre isso como se eu ainda estava no time. Mesmo quando eu estava fora, eu estava amarrado a Indiana.
E agora estamos aqui.
Talvez você nunca tenha ido a Indiana. Ou talvez você visitou uma ou duas vezes. Nunca realmente pensou sobre isso. É um estado de sobrevoo, certo? Um que é fácil para não ver no mapa.
E eu aposto que quando você ouviu da troca entre Thunder e Pacers, você estava pensando sobre Paul George. Doma e eu — nós éramos um pacote, trocados pela segunda vez em um ano, indo para um time não contender em um estado de sobrevoo.
Nós sabemos como é ser esquecido.
E muitos do nossos caras no nosso time sabem. E muitas pessoas em nossa arena sabem. Nós conhecemos o sentimento que é quando alguém desiste de você.


Isso se foi agora. Ninguém está desistindo de ninguém esse ano.
Isso remonta ao que eu enviei ao Doma no dia em que nós fomos negociados. Eu sabia que Indiana iria abraçá-lo - abraçar todos nós – de uma maneira que só esse estado pode.
E nós vamos precisar de vocês agora, Indiana. O resto da liga pode ter esquecido de nós, mas vocês não. Esqueça o que a tabela diz. Esqueça a corrida pelo MVP. Chega disso tudo. Nós sabemos por quem estamos jogando. Vocês sabem do que esse time é feito. Nós estamos prontos para fazer uma corrida nesses playoffs. Agora.
Para todos os outros, sim, talvez nós temos muito a provar.
Mas isso nunca me parou antes.

Victor Oladipo

INDIANA PACERS

O link para a carta original no Players Tribune está aqui.



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sexta-feira, 13 de abril de 2018

O Posto



Você se lembra daquele so, do “The Original Kings of Comedy”, onde Cedric o artista está mostrando daquele cara velhinho do bairro, que está sempre falando com um cigarro na boca nas ruas?
Ainda se você for muito jovem para se lembrar do som, se você é do Sul, você conhece esse cara. Todos os vizinhos o conhecem. Você poderia encontrá-lo no posto. Você chega com o barulho do motor do seu carro, e ele vem, enxugando as mãos com aquele pano vermelho oleoso.
“Você pode arrumar isso, senhor?”
“Se eu posso arrumar isso? Garoto, eu estou aqui por 30 anos. Estou aqui a mais tempo do que você está vivo. É claro que eu posso arrumar isso. Eu conheço o problema de um carburador quando eu o vejo. Traga aqui para a garagem.”
Só que não parece nada disso, porque de alguma forma ele está falando em frases completas enquanto fuma um Winston ao mesmo tempo. Soa algo como (não dá de traduzir isso hahaha) “Canahfixit? Beenherethirtyoddyearnow. Courseicanfixit. Cmonnah, knowadangcarburetorproblemwhenahseeitnow. Brangitinnagrage.”
Cigarro virando de todas as maneiras enquanto ele fala, quebrando as leis da física.
Esse era o meu avô. Ele abriu o primeiro posto de propriedade afro-americana no estado da Carolina do Norte, e ele era o cara mais trabalhador que eu já vi. Ele não era apenas um colarinho azul. Ele também usava calça azul. Todos os dias, ele usava a mesma roupa. Camisa de trabalho azul-clara, calça azul-escura de trabalho, pano vermelho pendurado no bolso de trás, “JONES” costurado em vermelho no bolso do peito.
Se você morasse em Winston-Salem e precisasse de um tanque de gasolina, um carburador ou apenas uma conversa, você ia ver o Sr. Jones.



Nós costumávamos jantar todos juntos a noite, e suas mãos estavam sempre sujas que nós dizíamos, “Vovô, você precisa ir lavar suas mãos”.
Ele diria, “Eu já lavei”.
Ele não estava mentindo. Cara, ele trabalhou tão duro por tanto tempo que a graxa já estava entranhada lá. Nenhum sabão conseguia tirar. Estava impregnada na pele.
Todos em Winston-Salem conheciam ele. Ele era uma lenda. Ninguém nem sabia o meu nome e o do meu irmão. Nós erámos apenas “Os netos do Sr. Jones”. Mesmo quando eu fui para o high school e eu estava fazendo meu nome jogando basquete, era sempre, “Cara, o neto do Sr. Jones é muito bom.”
Esse era o peso que o seu nome carregava. Nos seguia. Ele era meu melhor amigo no mundo. Quando a minha mãe estava brava comigo, eu iria ver o vovô. Quando o meu treinador estava bravo comigo, eu iria ver o vovô. Os avos são assim, eu não consigo explicar. Eles são assim, você sabe o que eu estou querendo dizer?
Ele era meu chefe também. Quando eu e meu irmão tínhamos oito ou nove anos, nós estávamos trabalhando no posto no verão. Agora que eu me lembro disso, é hilário, porque ele abria as sete da manhã, então nós estávamos lá tomando café com ele a manhã inteira apenas para acordar.
Também não estamos falando da Starbucks. Este era Winston-Salem, cara. Essa era a melhor parte do café wakin-up de Folgers, com cinco colheres de chá de açúcar. Cara, nós estávamos conectados, apenas tentando ganhar o máximo de gorjetas humanamente possível. Toda vez que alguém chegava com carro nós pulávamos da cadeira. Se eles foram para a bomba de serviço completo, nós ficávamos tranquilos. Mas se eles fossem para a bomba de autoatendimento, estaríamos voando o mais rápido possível. Porque nós tínhamos cerca de quatro segundos antes que eles pudessem abrir a porta e sair. Se nós os vencemos, quero dizer, quem vai dizer a algumas crianças adoráveis ​​de 8 anos que elas não podem bombear a gasolina?
Nós erámos inocentes.
Serviço automático? O que é isso? Nós estamos aqui para ajudar você, senhora.”
Em dias que era apenas dinheiro. Nós estávamos lidando com números redondos. Todo mundo dizia, “Ponha 30 dólares filho.”
Nós começávamos bombeando... $29.10...
$29.21
$29.30
Perfeito. Para.
“Está cheio senhora.”
Ninguém com algum senso de decência faria uma criança de oito anos voltar lá para dentro para pegar 70 centavos de troco. Era sempre, “fique com o troco, jovem”
Era assim que juntávamos dinheiro para os tênis de basquete e qualquer outra coisa que queríamos. Eu me lembro que meu avô costumava andar com um grande maço de dinheiro no bolso de trás, embrulhado em um plástico. “Vovô, por favor, precisamos de novos tênis.”
Ele diria, “Vocês podem ter os tênis. Vocês apenas têm que trabalhar para isso.”
Nós estaríamos por lá todo verão, bebendo café. Hoje em dia, quando eu sinto o cheiro da gasolina e me lembro desses momentos. Tudo o que fizemos, fizemos como uma família. Minha família, nós fazíamos todos juntos. Jantares, igreja, e até nos jogos do meu pai. Nós costumávamos ir com ele e correr a quadra e arremessar durante os pedidos de tempo. Minha mãe cuidava das estatísticas. O nome de sua equipe - e é assim que a Tobacco Road era - o nome de sua equipe era Professional Carpet Systems.
Essa era a empresa de limpeza de tapetes onde os caras da equipe trabalhavam. Era pura publicidade. Meu pai nem trabalhava lá. Ele apenas jogava para eles. Eles tinham um dos melhores times, e ele estava tentando vencer um campeonato. Ele sabia o que estava acontecendo. Ele estava na frente do seu tempo.
Eu me lembro que ele costumava usar o número 44, porque do George “The Iceman” Gervin era o seu herói. Eu, era mais o MJ. Eu tinha o relógio do MJ no meu quarto. Mas quando eu cheguei no high school, A.I. era o meu ídolo. Eu queria ser como ele. Eu queria o crossover, e eu queria as tranças. Então antes de um de nossos grandes jogos no high school, eu estava me sentindo o cara. Eu estava como, ok, eu vou fazer isso.
Eu fui na casa do meu amigo na noite anterior, e a irmã do meu amigo fez as tranças no meu cabelo igual o do Iverson. Eu sabia que o meu pai levantava cedo para trabalhar, então esperei até tarde para chegar em casa. E não fiz um pio.
Eu cheguei para o nosso jogo na próxima noite, e eu estou me sentindo bem. O time das garotas sempre jogava antes do nosso, então eu estou na arquibancada, assistindo elas. E de repente, eu vejo meu pai entrar com minha família inteira. Nossos olhares se cruzaram. Sem palavras.
Estou como, “O que? ... Como assim?”
Ele está me olhando como, “... Christopher. Emmanuel. Paul.”
Eu estou tentando ser descolado na frente dos meus companheiros de time. Eu chego lá, e tudo o que ele diz é, “É melhor eu não ver você jogando no primeiro quarto com um cabelo desse.”
Cara, eu me virei e corri para o banheiro e tirei as tranças. Eu saí para shootaround com o afro mais ondulado do mundo. Quero dizer, imagine isso. Foi ridículo. Minha família ainda ri disso.
Aquela foi o fim do meu look A.I. Durou 15 minutos. Eu ainda tento imitar o crossover, contudo.
Quando criança, eu era um grande fã do Tar Hells. Mas quando eu tive que fazer minha decisão de onde jogar no college, UNC tinha grandes armadores, e os treinadores me disseram que eu teria que esperar Raymond Felton ir para NBA antes de eles terem um lugar para mim. Nós não conseguíamos bancar um college sem bolsa completa, então eu tive que ser realista. Eu sabia que eu queria ficar próximo a minha família então eles poderiam me ver jogar, e eu sabia que eu queria estar em um ótimo ambiente acadêmico.
Quando o dia de assinar o contrato chegou, eu não tinha uma mesa com um monte de bonés como todos esses jovens fazem agora. Nós não estávamos lá fora, gravando vídeos de música. Nenhuma câmera da ESPN, nada. Eu sentei em uma mesa dobrável no ginásio da escola e assinei um pedaço de papel, e todos aplaudiram
O único boné que tínhamos lá era o da cabeça do meu avô. Era um boné de Wake Forest. Ele andou até mim e me deu um grande abraço, e ele colocou o boné na minha cabeça, e eu lembro que ele estava sorrindo tão grande, com aqueles dentes soltos na boca, porque ele estava balançando as dentaduras.
E ele disse: "Vou lembrar deste dia para o resto da minha vida".
Ele estava tão orgulhoso. Aquela noite, eu e ele fomos ver Wake Forest jogar no “The Joel”, e eu ainda consigo sentir o cheiro da pipoca. Eu ainda posso ouvir a banda. Eu ainda me lembro dos uniformes, os tênis, e pensando, cara, tudo é tão limpo. Meu avô, e toda a minha família estarão aqui nesse lugar me vendo jogar.
Faculdade, cara. “The ACC”.
Chris Paul, da Wake Forest University.
Na noite seguinte, eu estava no jogo de futebol da escola, apenas sentado na arquibancada. Eu recebi um telefonema do meu irmão.
Eu disse, “O que foi?”
Ele disse, “Hey, eu estou indo para casa.”
Ele estava na faculdade na Carolina do Sul, a três horas de distância.
Eu disse, “Que? Você está vindo para casa?”
“Sim... Vovô está doente.”
"Ele está doente? Eu estava com ele ontem à noite.
“Sim, estou a caminho. Ligue para a mãe.
Eu comecei a pensar comigo mesmo. Porquê ele está vindo para casa? O que está acontecendo? Nada fazia sentido. Eu me levantei e fui para o estacionamento, e antes de eu chegar no carro, meu primo me abordou.
Eu disse, “Vovô está doente. Nós temos que...”

Ele disse não, “Vovô... ele foi assassinado.”

Eu não acreditei nele. Alguém deve ter se confundido. Ninguém mataria meu avô. Isso é louco. É impossível. Deve haver algum tipo de erro ou algo do tipo. Nós entramos no carro e dirigimos 20 minutos até a casa do vovô, e assim que nós saímos da Clemmonsvill Road, antes de virar na rua...
Eu vi as luzes primeiro. Vermelha e azul, piscando. Então eu vi as ambulâncias, e os carros da polícia, e todas as pessoas na rua. Eu ouvi minha tia gritando,  ela estava dizendo, “Alguém sabe quem fez isso! Alguém sabe quem fez isso!”
Eu sai do carro e apenas comecei a correr para a casa do meu avô. Ainda não acreditando. Eu estava correndo e correndo... E então meu tio me parou, e ele me envolveu em um grande abraço, e tudo o que eu vi foi um lençol branco em cima do meu avô, bem no chão da garagem.
Eu apenas...desabei. Eu não posso nem te contar o que aconteceu nos próximos dias. Eu estava em um outro lugar.
Alguns adolescentes o atacaram quando ele saía do carro. Eles o amarraram e colocaram fita adesiva sobre sua boca para que ninguém pudesse ouvi-lo. Eles pegaram seu dinheiro e o deixaram lá. Ele não conseguia respirar e seu coração parou.
Tudo por causa de um maço de dinheiro.
Meu melhor amigo. Meu cara. Se foi.
Sabe, muitas pessoas ouviram falar da história do meu avô porque eu saí para uma quadra de basquete alguns dias depois e fiz 61 pontos - um ponto para cada ano que vovô viveu. Esse foi meu pequeno tributo a ele, e acho que é bom que as pessoas tenham ouvido sobre a história dele por causa daquela noite.
Mas você sabe o que? Sua história real não tem nada a ver com o jogo de basquete. Ele deixou sua marca neste mundo pela forma como ele tratava as pessoas. Ele era a rocha de toda a nossa família. Ele era a rocha da comunidade. Ele era meu melhor amigo.
Quando minha avó morreu de câncer, eu tinha apenas oito anos de idade. E eu nunca esquecerei, estava sentado ao lado do vovô no funeral e estava chorando. Ele tinha o braço em volta de mim e me disse: “Não chore. Você tem que ser forte para sua mãe. Não chore, agora.”
Ele teve a força para dizer essas palavras para mim naquele momento, quando ele tinha acabado de perder sua esposa.
Crescendo, eu tive alguns amigos. Eu tinha um monte de manos. Mas ninguém era como meu avô para mim. As pessoas me perguntam às vezes se dói que ele nunca tenha me visto jogar na Wake Forest, ou ser draftado na NBA.
Definitivamente, ainda doi.
Houve um momento em particular, depois que fiz meu primeiro jogo All-Star. Há sempre um café da manhã que a NBA coloca, e eles convidam todas as lendas. Meu pai veio comigo, e eu nunca vou esquecer o olhar em seu rosto quando eu comecei a apresentá-lo ao George "The Iceman" Gervin e Dr. J.
Ele estava tão feliz. Ele estava sorrindo. Foi um grande momento para nós, vindo de onde viemos. Sistemas de tapetes profissionais, número 44. E agora ele está compartilhando histórias com o The Iceman, comendo panquecas.
Eu queria que meu avô estivesse lá para ter aquele momento conosco.
Mas você sabe o que? Esses momentos são apenas basquete. O que mais desejava era que meu avô estivesse por perto para conhecer meus filhos, especialmente meu filho. Eles teriam sido parceiros. Eles teriam se divertido juntos.
A dor não vai embora. Mas nem o seu legado. Eu vejo agora o jeito que meu filho olha para o meu pai. Agora eu entendi. Meu pai, e tudo o que ele quer fazer é colocar um sorriso no rosto do meu filho.
Avós, cara. Eles apenas entendem, sabe? Eles realmente sabem.
Eu ainda sou o neto do Sr. Jones. Sua presença é uma parte de tudo que fazemos como família. Quando cheguei na NBA, comecei minha fundação em sua homenagem e meu objetivo era realmente simples. Eu só queria fazer o que ele fez por mim, pelo maior número possível de crianças - eu queria fazer com que elas sentissem que não importa de onde viessem, elas tem a chance de fazer grandes coisas nesta vida.
“Você pode ter isto. Só ten que trabalhar para isso agora.”
Todos os anos, dois estudantes da Carolina do Norte vão para a Universidade Wake Forest com uma bolsa de estudos em nome de Nathaniel Jones. Meu vovô. Meu melhor amigo. O primeiro afro-americano a possuir um posto no estado. O único cara que poderia lhe dar conselhos sobre a vida com um Winston iluminado em sua boca.
Às vezes penso nas mãos dele. Quatro décadas de graxa. Nenhum sabão no mundo poderia ajudar. Isso me faz sorrir.

Seu legado não pode ser lavado também.

Minha família, nós ainda estamos unidos.
CP3
O link para a carta original no Players Tribune está aqui.


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