segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Obrigado, San Antonio



Certo — imagine isso: Você tem uma entrevista de emprego importantíssima. Você se preparou a sua vida inteira para isso. E para essa empresa que, wow... para esse emprego, nessa indústria? Será um dos melhores lugares para se trabalhar. Essa entrevista é do outro lado do mundo, mas você não se importa. Você pega o avião, voa através do oceano para conhecer o chefe da companhia.
Parece promissor, certo?
É agora que as coisas ficam ruins. Talvez seja o atraso do avião, ou talvez o nervosismo — mas o que quer que seja, quando você está na entrevista, você não está se sentindo você mesmo. Eles fazem você fazer uns exercícios, e, cara... É realmente frustrante. Porque não importa o quanto você tente, hoje você simplesmente está um passo mais lento. Você parece oprimido — e não qualificado. E após cerca de 10 minutos, o chefão diz que já viu o que tinha que ver. É isso. Você está acabado. Obrigado por vir.
Parece um pesadelo, certo?
Bem, como você pode adivinhar, essa história é a minha história. Aquele foi meu primeiro workout com um time da NBA, durante o processo pre-Draft em 2001 — e foi um desastre. Eu joguei muito mal. E quando acabou, eu pensei que com certeza meu sonho de chegar a NBA tinha acabado.
Mas enquanto vocês adivinharam que aquela era a minha história, eu aposto que muitos de vocês não adivinharam o time para qual eu tinha feito o workout.
Foi com o Spurs.
É verdade — eu joguei talvez o pior basquete da minha vida, no pior momento possível, na frente do treinador Pop e todos os outros. Pop e R.C., eles trouxeram um cara chamado Lance Blanks, um jogador aposentado da NBA, para fazer o workout comigo, e ele apenas me dominou. Ele me fez parecer... Bem, ele me fez parecer como um adolescente que eu era.
E eu acho que eu trouxe essa história porque, você sabe — muitas pessoas, eles acham que o treinador Popovich é aquele cara difícil. Mas eu vou te dizer, é engraçado: Eu talvez não teria nem chegado a liga se Pop não tivesse decidido me dar uma segunda chance para impressionar ele. Ele me convidou para outro workout, e eu garanti de não estragar tudo. Eu joguei bem melhor contra Lance dessa vez. Ele ainda foi muito bem, mas eu consegui mostrar um pouco do meu jogo. E cara isso é louco. Porque a próxima coisa que você sabe, eu estou assistindo o draft, e — com a 28ª escolha do draft de 2001, o San Antonio Spurs escolhe Tony Parker, do Racing Club Paris, França.
Em outras palavras: Eu consegui o emprego :)
E agora estamos aqui 17 anos depois — e eu quase não consigo acreditar nisso, você sabe? Aqui estou, o mesmo garoto de 19 anos. Só que agora, de repente, eu tenho 36 anos e já sou um homem. E estou saindo para outro emprego.
Mas antes de eu ir para a minha próxima oportunidade em Charlotte, eu espero que seja O.K. para todos se eu puder escrever algumas palavras.


As pessoas falam muito sobre “A cultura do Spurs”... Tanto que eu acho que as vezes você pode se perder no que isso significa. Mas mesmo com toda essa conversa, eu tenho certos momentos do meu período em San Antonio que ainda se destacam — e eu acho que me ajudam a entender qual a diferença, e o grande privilégio, de ter entrado na liga como um Spur.
Uma das coisas de ter chegado na liga em um time de veteranos, um time que já tinha vencido um campeonato e tinha o objetivo de conquistar mais, é que não há esse mesmo espaço para erros que você pode ter quando um jovem jogador é draftado para uma equipe de loteria — onde eles podem dizer a você, “O.K., não se preocupe com o resto, nós vamos focar apenas no seu desenvolvimento nesse ano.” E sim, é verdade: com o Spurs, nós estávamos montados para vencer. Vencer era a coisa mais importante. Mas o que eu sempre vou me lembrar, e sempre ser grato durante esses anos, é como — mesmo com essas prioridades — de algum jeito meu desenvolvimento nunca ficou de lado.
Os veteranos me colocaram em baixo das suas asas logo de cara. Eles sempre abriram um espaço para isso — e eu não digo “parem tudo e ensinem o garoto francês sobre o significado da vida” nesse sentido. Apenas coisas pequenas como uma rápida lição aqui, uma pequena conversa lá.
Com um cara como David... Eu quero dizer, era apenas incrível de ver. Você tem um cara do calibre dele, Hall of Fame, e ele está no meio de outra corrida por um título — e ele não me olha como se eu fosse um jovem e um fardo a ser carregado. Com David, e com outros veteranos do Spurs, sempre pareceu como esse era o jeito natural das coisas. Todos tem a expectativa de ganhar campeonatos. Mas então eles tem essa outra responsabilidade, que eles valorizam muito, é algo como... deixe o time em melhor posição do que quando você chegou.  E essa é a cultura do Spurs para mim, sabe? Alcançar suas expectativas, ao mesmo tempo abrindo espaço para os outros.
É claro, que a maior razão porque a cultura do Spurs existe... Isso é muito simples, não é? Nós tivemos um dos melhores jogadores de todos os tempos, por 19 temporadas, em Tim. Mas o negócio com o Tim é que ele não era apenas o melhor jogador durante esse tempo. Ele era também o melhor companheiro de time. O.K., talvez isso seja clichê. Mas eu não acho que as pessoas percebem o quanto toda a cultura de nossa equipe pode realmente ser trazida de volta para apenas Tim, sendo Tim. Essa é a verdade.
Aqui vai um exemplo: As pessoas sempre perguntam porque os jogadores nos nossos times são tão “coachable” (ser fácil de treinar, aceitar papeis menores) — sobre como sempre conseguimos tirar o máximo de jogadores que passaram pela organização. E como, quando os novos jogadores chegam aqui, eles parecem que em um passe de magica ficam melhores, você sabe, ou transformam o seu jeito de trabalhar, ou melhoram em algum aspecto do seu jogo. E eu digo as pessoas, sempre, que isso não é magica, eu falo que nós temos uma equipe de técnicos de elite. E eu falo a eles que nós temos obviamente um treinador único em Pop. Mas se você quer saber o que nos diferencia nessas situações? É o Timmy, cara. Era realmente o Timmy. Simples assim.
Porque o negócio com Tim Duncan: ele foi o maior jogador de todos os tempos? Eu não sei — ele é o melhor que eu já joguei, eu vou dizer isso, e eu vou deixar os especialistas pegarem isso. Mas aqui está uma coisa que eu vou te dizer, absolutamente: Timmy foi o jogador mais fácil de ser treinado (coachable) de todos os tempos.
Essa foi sempre a nossa arma secreta, para mim: você vê esse jogador de impacto mundial, esse First Time All-NBA, MVP das Finais, prestes a ser MVP, o cara da liga, e aqui está ele, no treino, disposto a ser treinado como se ele estivesse lutando por um lugar no time. Foi irreal. E se você acha que é muito passivo para um jogador de estrela ser? Bem, então você não está pensando no nível de Tim. Porque Tim sabia a verdade: que era deixar-se ser treinado dessa maneira, você sabe... Isso é o verdadeiro carisma, e isso é verdadeira arrogância. É como se ele estivesse desafiando todo mundo em nosso time: O melhor jogador de toda a liga está disposto a colocar seu ego de lado pelo bem dessa equipe — e você?
E esse era o acordo, sabe? Os caras viriam, davam uma olhada, e eventualmente fariam como Tim fazia.
Isso foi a Cultura Spurs.


E então, se Tim fosse a força motriz do programa que construímos, eu diria que Pop estava em segundo lugar muito próximo.
É difícil explicar o que faz de Pop um líder tão especial. Claro, há as coisas que você sabe: ele é um comunicador genial, um pensador esperto dos Xs-e-Os, um motivador brilhante e um ótimo cara. Mas eu acho que o que o torna único como técnico da NBA são seus princípios: a maneira como ele os estabeleceu desde o início - e depois a maneira como ele os manteve desde então.
Às vezes, esses princípios estão a seu favor e é o que você quer ouvir. Quando eu fiz aquele segundo treino, pré-draft, apesar de ter arruinado o primeiro... Era o Pop apenas agindo de acordo com seus princípios, sabe? Ele achou que viu um bom jogador em mim, ponto final. E por isso não importava para ele que eu tivesse tido um treino ruim — ele não deixaria aquele barulho atrapalhar o que seu instinto lhe dizia para fazer: que era me dar outra olhada, e então ele me draftou. E foi a mesma coisa quando, no meu ano de estreia, Pop começou a me dar cada vez mais tempo — até o ponto em que eu fiquei em segundo com o Tim em minutos para a nossa série contra os Lakers, com quase 40 por noite. E foi a mesma coisa quando, cerca de cinco anos depois, Pop nos deu luz verde para começar a atacar um pouco mais do meu jeito — ao ponto de eu liderar o time em 2006 e depois, como eu consegui, indo durante os playoffs de 2007, até ganhar o MVP da Finais.
Mas há também o outro lado dessa moeda, quando se trata dos princípios do papa. Às vezes, essas mesmas idéias, agora elas não estão a seu favor... E isso pode ser muito difícil de ouvir. Foi o que aconteceu comigo nos playoffs de 2003. Durante toda a temporada, comecei como titular. Mas então, durante os playoffs, quando comecei a jogar um pouco mal, Pop decidiu que Steve ficasse no meu lugar no final dos jogos. Também foi o que aconteceu mais tarde naquele mesmo verão, quando — depois de ajudar o time no seu segundo campeonato (meu primeiro) como um armador de 21 anos - a conversa na agencia livre se tornou sobre como iríamos atrás depois Jason Kidd, uma estrela, um armador veterano. E então outra experiência difícil quando ainda um jogador jovem foi as Finais de  2005, quando ganhamos nosso terceiro campeonato (meu segundo), mas Pop decidiu dar algumas das minhas responsabilidades nessa série para Manu.
Você vê o que eu estou dizendo?
Aqui vai uma coisa, no entanto, com todas essas experiências, tanto as "boas" quanto as "ruins": todas elas me tornaram um jogador melhor — e todas elas me tornaram uma pessoa melhor. E isso é só Pop, cara. Isso é o que o torna tão especial. Não é B.S. (besteira) quando ele está te dando essas palavras de encorajamento... E não é B.S. quando ele está te dando essas palavras de crítica. Quando ele está começando os jogos com você, quando ele está te colocando no banco, quando ele está entregando-lhe as chaves do ataque, ou mesmo quando ele está oferecendo as chaves na agência livre para outra pessoa... Cara, você ainda está recebendo o mesmo do Pop, operando no mesmo princípio, todas as vezes. E esse princípio é: qualquer coisa que acontece com você, acontece por uma razão e uma única razão. O bem dos Spurs.
Como você pode não respeitar isso?
E a verdade é que, em pouco tempo, você não apenas respeita isso — você também aprende com isso.
Eu acho que é por isso que você vê os Spurs, como uma organização, sendo tão bons em fazer malabarismos com esses grandes nomes, muitos desses grandes jogadores, todos ao mesmo tempo. Porque quem quer que seja o cara, isso não importa — a questão nunca muda. É sempre a mesma pergunta do Pop: o que vai acontecer aqui, então é para o bem dos Spurs?
Se Timmy está dominando as finais de 2003, então Manu e eu temos sorrisos em nossos rostos.
Se Manu e esse cabelo de seu manequim - Manu, por que você mudou seu cabelo? O cara era imparável com o cabelo desleixado, SMH — está dominando
Se as coisas estão indo na minha direção nas finais de 2007, e eu estou entrando em uma zona lá —  então Manu e Timmy, você sabe, você pode apostar que eles também têm sorrisos em seus rostos.
E então, mesmo que não seja nenhum de nós, sabe? Se não é nenhum do Big Three original, e agora de repente é a jovem arma, Kawhi, dominando nas finais de 2014 — cara, Timmy e Manu e eu, você nunca viu sorrisos como os que tivemos em quando estamos levantando esse troféu.
Tudo o que queríamos, no final, era ganhar títulos juntos. Isso é tudo que importava. Era o jeito do Pop, o que significava que era do nosso jeito.
O que significava que era o Caminho dos Spurs.



A última "decisão pop" da minha carreira no Spurs, eu vou dizer, eu acho que é muito revelador — porque era como se o sapato agora estivesse em outro pé. Desta vez foi Dejounte quem desempenhou o meu papel, como o jovem armador do Spurs, e que iria receber algumas novidades. E então foi quase como, para este, eu era a figura Pop liderando a conversa agora.
Eu abordei o Pop um dia, e contei a ele meus pensamentos: era hora de Dejounte assumir como nosso armador principal. Eu não queria que fosse uma coisa dramática, ou essa coisa do ego, ou uma dessas grandes coisas da mídia, mas eu só queria deixar isso claro — para o bem do desenvolvimento de Dejounte, e para o bem do equipe. Pop concordou e me agradeceu. E então eu fui e tive a mesma conversa com Dejounte. Ele ficou grato.
Você sabe, eu não estou tentando parecer um robô aqui ou algo assim, mas realmente não foi. É uma coisa de disciplina, eu acho. Esse é o jeito que eu cresci e como cresci como jogador — para sempre seguir em frente. É claro que não me entenda mal: de vez em quando, sabe, Manu, Timmy e eu, nos reunimos para o jantar... E quando isso acontece, com certeza, é hora de um pouco de nostalgia. Você não pode evitar — e nós nos divertimos muito, compartilhando todas essas ótimas lembranças. Mas quando está na temporada? E estou no modo trabalho? Quando você está no modo de trabalho nesta liga, eu acho, você tem que ser bem disciplinado: sobre deixar o presente ficar no presente, e o passado ficar no passado.
E foi assim que tentei manter esse momento. Eu queria que Dejounte soubesse que ele havia merecido —  mas também que a decisão se resumiu, no final, foi exatamente a mesma coisa que sempre aconteceria durante seu tempo em San Antonio: o bem do Spurs.
E, na maioria das vezes, acho que é assim que eu queria que esse verão fosse também. Daqui a alguns anos, quando me aposentar, imagino que haverá tempo para a nostalgia. Mas enquanto isso? Eu assinei um contrato de dois anos com a Charlotte, e estou muito animado para jogar. Será uma nova experiência para mim, com uma nova organização. E se você está procurando uma segunda equipe para torcer, no Leste, você sabe… Talvez até nos dê uma olhada :) Eu prometo que vamos dar a eles um inferno.
Mas principalmente eu só queria agradecer.
Obrigado à organização do Spurs, de cima a baixo, pela oportunidade mais incrível da minha vida — e por 17 anos do melhor trabalho do planeta. Obrigado aos fãs do Spurs, em todos os lugares, por sempre aparecerem, sempre sendo barulhentos, e sempre, sempre me apoiando. E obrigado à cidade de San Antonio, por ser a única coisa que eu poderia chamá-la agora: casa.
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A verdade é que sei que é impossível resumir o que o meu tempo com o que o Spurs significou para mim, em uma carta como esta.
Mas acho que também é a beleza do basquete e da vida de certa forma. Como isso pode se tornar menos sobre o resumo das coisas — e mais sobre uma coleção de momentos. Como você acabou de se tornar esses momentos, você sabe o que eu quero dizer? Todas essas amizades e conversas e lições e decisões. Todas essas pequenas coisas que apenas o colocam sorrateiramente em você, e começam a moldá-lo, e eventualmente, se você tiver sorte, até vir a definir você.
E embora eu não tente definir quem eu me tornei, nestes últimos 17 anos, em uma única carta... Eu posso dizer com certeza: eu tenho o Spurs e tenho que agradecer a San Antonio por isso.
E vou carregar isso com orgulho.

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terça-feira, 29 de maio de 2018

Sem vitórias morais



Donovan Mitchell | Utah Jazz
Eu não queria sair do avião.
Esse é um sentimento que eu nunca vou esquecer — não querer sair do avião. Foi duro cara. O jogo tinha acabado. A série tinha acabado. A temporada tinha acabado. Tinha muita coisa boa que tinha acontecido durante a temporada. Muito boa. Mas nos jogos contra o Houston, de repente era tipo, bem, O.K. Lá vai. Tudo foi desperdiçado.
E agora era tarde, e nós perdemos, e tivemos que voar para casa.
Eu acho que muitas pessoas, apenas olhando o nosso time de fora... Eles devem ter falado, “Oh, essa temporada do Jazz. Ela foi vitoriosa.” Tipo, apenas porque nós excedemos as nossas expectativas e tudo mais, de qualquer maneira isso foi uma vitória.
Uma vitória moral.
Mas o que você tem que entender é — nós não excedemos as nossas expectativas por sermos o tipo de equipe satisfeita com uma vitória moral.
Nós excedemos as nossas expectativas sendo killers (ou assassinos).
Se nós fossemos um tipo de time satisfeito, nós provavelmente não teríamos ido a qualquer lugar. É louco pensar em quantas desculpas esse time tinha para dar. Perdeu uma grande estrela na free agency. Teve as lesões. Teve esse backcourt com um cara novo e um rookie. Mas cara... Em nenhum momento ninguém no nosso time sequer pensou em desculpas. Não pensamos em desculpas ou expectativas, ou algo do tipo. [We didn’t even have chips on our shoulders!*]
*: É ter uma atitude agressiva ou ter um jeito de se comportar causado por acreditar que alguém te tratou injustamente no passado. Algo como esnobado.
Você sabe como é ouvir toda hora — sobre como os caras foram esnobados, e agora eles têm “Chips on their shoulders?” É como, com esse time, nós não tínhamos tempo para se aborrecer com isso. Não tínhamos nem o ego para se aborrecer com isso. Nós não estávamos nos preocupando sobre ser esnobados, ou onde as pessoas esperavam, ou projetaram ou queriam que nós tivéssemos.
Tudo que nos importava era para ser o melhor.
E tudo que tínhamos na cabeça era o objetivo de sermos campeões.
E por isso que foi tão difícil de sair daquele avião em Salt Lake. Era como, nós tínhamos um objetivo... E falhamos. E decepcionamos a cidade.
Mas algo louco aconteceu.
Nós saímos do avião...
E vocês todos estavam lá nos aplaudindo.

E não foi apenas isso que você estava torcendo. Porque é como eu disse: não era uma situação em que estávamos procurando por vitórias morais. Ninguém nesse time queria sair do avião e ser aplaudido por uma vitória moral, aquele troféu de participação “Vocês fizeram o melhor que podiam”. O que é louco é que os fãs aqui... Vocês sabiam disso. Vocês de algum jeito sabiam disso. É difícil descrever — como você pode dizer o que um grupo de pessoas significa simplesmente por como eles estão torcendo. Você não consegue imaginar até isso acontecer. Mas é como se tivéssemos saído daquele avião... E nós ouvimos aqueles aplausos... E nós estávamos em sintonia, cara.
Era como, eles entenderam. Essa não era uma vitória moral. Essa era uma derrota.
Mas apenas uma derrota temporária — porque nós vamos estar de volta no próximo ano, e no ano seguinte, e no seguinte. É temporário, porque esse não é o fim.
Esse é o começo de algo especial.

A todos os fãs que aparecem - é difícil colocar em palavras o quanto isso significou para mim, naquele momento. Quanto eu precisava disso. E quanto vou levar isso para essa offseason e usar isso como combustível para melhorar.
Para conquistar o Oeste.
Para trazer um campeonato para Utah.
E isso é real. O céu é o limite aqui. Nós temos o prefeito de Swat Lake City no Rudy. Nós temos um dos mais perigosos trios de jovens armadores na liga em mim mesmo, Ricky e Dante. Nós temos esse grupo que vai fazer de tudo, tanto na quadra quanto no vestiário, em caras como Jae e Joe. Nós temos um dos melhores — e mais subestimados, se você me perguntar — treinadores da liga em Coach Snyder. E cara, vocês já sabem:
Nós temos os melhores fãs do mundo.
É louco para mim pensar que um ano atrás, eu ainda estava decidindo se eu deveria ou não estar na NBA — ficar na faculdade ou entrar para o Draft. E eu fiz a melhor decisão da minha vida, sem dúvidas. Primeiro, porque eu tive um ano de rookie que eu posso estar orgulhoso. Dois porque cara... Eu amo essa liga. Mas talvez acima de tudo, eu sei que eu fiz a decisão correta porque eu foi a onde eu pertenço.
Jogando para esse time, para essa cidade.
Jazz fãs: Eu vejo vocês por aí nesse verão — e vejo vocês todos em outubro com certeza.
Esperançosamente a próxima vez que nós nos encontrarmos no aeroporto, nós vamos trazer um troféu.


Donovan Mitchell
UTAH JAZZ


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sexta-feira, 11 de maio de 2018

Uma carta aberta sobre treinadoras


Pau Gasol | San Antonio Spurs


Eu só gostaria de falar algo sobre meus pais.

Eu fui criado nos arredores de Barcelona, filho de dois grandes profissionais. Meu pai era um enfermeiro e minha mãe, uma doutora. Naturalmente, eu estudei ciências – e depois do ensino médio eu até fiz um ano de medicina, antes de eventualmente me dedicar totalmente ao basquete. Ás vezes penso o que teria acontecido se eu continuasse no ramo da medicina e seguisse os passos dos meus pais.

Eu me lembro de quantas vezes as pessoas se confundiam dizendo que meu pai era o médico e minha mãe a enfermeira – isso acontecia mais do que deveria, na minha cabeça. Para mim, minha mãe era uma doutora de sucesso... era só isso. E não me leve a mal: Eu admiro o trabalho duro do meu pai também. Mas cresci sabendo que minha mãe entrou numa rigorosa escola e faculdade, por isso teve um trabalho mais proeminente. Isso não era estranho, ou algum tipo de julgamento. Era somente a verdade. E nós nunca pensamos nisso duas vezes.

Crescendo, meus irmãos e eu, sempre admirávamos essa postura dos nossos pais.

E agora que sou um adulto, e pensando em ser um pai num futuro próximo, eu percebo como fui sortudo de ter sido criado num ambiente assim. É um ambiente onde apenas uma pergunta precisa ser feita – não é sobre você ser o “tipo certo de pessoa” para o seu trabalho. Invés disso, é sobre o quão bem qualificado você é para este trabalho.

Em 37 anos, eu posso honestamente falar que, eu nunca pensei na minha mãe como uma doutora “feminina”.

Para mim, ela sempre foi apenas... uma doutora.

E uma das melhores também.
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A razão pelo qual eu comecei falando para vocês sobre meus pais, é que a história deles me lembra muito do que está acontecendo na NBA hoje em dia. Especificamente sobre, nos 72 anos de liga, como nunca tivemos uma técnica na NBA. Ainda mais especificamente, me faz pensar na Becky Hammon: uma técnica que está sendo o centro de várias discussões ultimamente, e quem eu tive a oportunidade de jogar para em San Antonio.

Mas se você acha que estou escrevendo isso para argumentar sobre se a Becky é qualificada ou não para ser uma técnica na NBA... bem, então está enganada. A parte óbvia é que: Primeiro, ela foi uma excelente jogadora – com a mente de uma armadora de elite. E segundo, ela foi assistente técnica para o talvez melhor técnico da história. O que mais você precisa? Mas é como eu disse – Não estou aqui para fazer esse argumento. Falar em nome da treinadora Hammon seria muito paternalista. Para mim, seria estranho se times da NBA não estivessem interessados nela.

O que eu gostaria de fazer, é acabar com alguns argumentos fracos sobre a capacidade da treinadora Hammon – e a sobre a idéia de uma técnica na NBA – que eu vi por ai.

O argumento que eu vejo mais vezes é o mais fácil de se derrubar: é a idéia de que, no nível mais alto de basquetebol, uma mulher não pode treinar homens. “Isso, técnicas conseguem treinar no basquete universitário feminino ou na WNBA,” e o argumento continua. “Mas na NBA? A NBA é diferente.”

Primeiro, eu preciso falar uma coisa: Se você esta fazendo este tipo de argumento para alguém que realmente já jogou em qualquer basquete de alto nível, você só vai parecer bem ignorante. Mas eu ainda tenho uma resposta mais simples – que é que eu estou na NBA a 17 anos. Eu ganhei 2 titulos... Eu joguei com alguns dos melhores jogadores desta geração... e joguei para duas das mentes mais brilhantes na historia dos esportes, Phil Jackson e Gregg Popovich. E eu posso te garantir: Becky Hammon consegue dirigir um time. Não estou falando que ela consegue treinar muito bem. Não estou falando que ela consegue treinar mais ou menos. Não estou falando que ela quase consegue treinar no nível dos treinadores masculinos da NBA. Estou dizendo: Becky Hammon consegue treinar uma equipe da NBA. Ponto.

Vou te dizer uma historia rápida pra ilustrar meu ponto. Esse ano, num treino alguns meses atrás, eu estava treinando pick-and-roll com o Dejounte Murray. Era um treino normal, só nos dois sozinhos numa das cestas: Eu fazia a parede e ou iria para o arremesso ou iria para o garrafão. Se eu fosse pro arremesso, Dejounte me daria um passe no peito. Se eu fosse pra bandeja, um passe picado. Como eu disse, muito básico – nós fazíamos isso um milhão de vezes.

Mas o que eu lembro desse treino em especifico, é que em algum ponto, a treinadora Hammon nos parou no meio do ataque. Os técnicos Hammon, Borrego e Messina vieram, e a Becky disse pro Dejounte, “DJ, OK – seu passe picado? Está muito baixo. Você tem que acertar o ele exatamente onde é necessário.” Então depois nós conversamos sobre como eu precisava da bola um pouco mais precisa, com um pouco mais de jeito, para que eu conseguisse uma chance maior de pontuar no garrafão. Então nós repetimos esse movimento algumas vezes, mudando de lado na quadra. É claro que, Dejounte sendo Dejounte, ele aprendeu rápido – e num instante nós estávamos excelentes naquilo. Mas alguma coisa sobre aquele treino grudou comigo. Apenas, como... o nível de conhecimento do jogo que a Becky mostrou, entende?

Ela percebeu um pequeno detalhe com o canto do olho – e instantaneamente já soube o problema e a solução. Não apenas isso, mas nós também conseguimos nos comunicar de um jeito que nós chegamos no resultado preciso. É um bom lembrete, eu diria, da importância de uma boa comunicação entre membros do time – especialmente no nível da NBA. Eu acho que não peguei um passe mal feito pelo resto da temporada.

Outro argumento que eu vi sendo feito – talvez até mais idiota que o ultimo – é que a Becky subiu para sua posição atual por que ter ela no time faria uma “boa impressão do setor de Relações Públicas do Spurs”.

O que?

É sério: O que?

Não. Nós estamos falando na NBA aqui – um lugar onde muito dinheiro está em jogo, e pouco tempo para mediocridade. Também estamos falando do San Antonio Spurs, uma das franquias mais vencedoras deste século: um sistema que produziu David Robinson, Tim Duncan, Manu Ginobíli, Tony Parker – e estes são só os do Hall da Fama. Esse é um time que ganhou 50 ou mais jogos por 18 temporadas seguidas, e 5 títulos nos últimos 20 anos.



Você realmente espera que o Pop desenvolva sua comissão técnica diferente dos seus jogadores? Claro que não.

O único motivo para o Pop fazer algo é saber se isso vai nos ajudar de apenas um modo... e isso não é ganhar boa impressão do R.P.

É ganhar. E ganhar do jeito dos Spurs.

OK – e tem mais uma coisa. É quase estúpido colocar isso aqui... mas ao mesmo tempo, por outro lado, eu acho bem importante. E chega a algo sobre esta liga, no grande plano, que eu estou pensando bastante recentemente.

E é a idéia de que, se tivesse uma treinadora na NBA, existiria algum tipo de “estranhamento no vestiário.”
Talvez você esteja rindo para si mesmo lendo isso. E eu entendo. É ridículo. Mas acho que é importante levar a serio, por um momento – só em termos de quão vergonhoso é para essa liga, ter pessoa que realmente pensam assim.

Primeiro, a idéia em si: Então, é um mito. Me da um tempo. Não tem nada para dizer sobre. Os jogadores se vestem em um lugar, a comissão técnica em outra. OK? E sim, dentro da parte dos técnicos, Becky tem seu espaço privado. Mas o ponto é – você não vê o técnico compartilhando do mesmo espaço que os jogadores enquanto se trocam. Isso não acontece. Então tudo que eu posso lhe falar é que, tendo uma década e meia de experiência pessoal... essa linha de pensamento – como eu disse, isso tudo é vergonhoso. Em termos de vestiário e de pro trás da cena, não existe uma diferença pratica entre ter um treinador ou uma treinadora nessa liga.



Mas também acho que isso vai mais fundo, quando as pessoas fazem esse argumento – de um jeito que realmente me incomoda. Vai para essa idéia de que... enquanto nós estamos fazendo todos esses importante avanços na nossa sociedade, em termos de aumento da nossa inclusão social, e fazendo esforços para idéias de igualdade e diversidade, criando um mundo mais inclusivo... por algum motivo, os esportes deveriam ser um exceção. É essa idéia, para algumas pessoas, que os esportes deveriam ser este abrigo, onde é OK ter a mente fechada – como uma bolha para toda nossa ignorância. E nós sendo atletas, se tivermos algum problema com o jeito como as coisas são, devemos (como eles dizem) “ficar apenas com esportes”.

Então quando eu vejo argumento – ou até piadas – de que não devemos ter treinadoras na NBA por causa das “situações de vestiário” ou qualquer coisa... Eu acho que isso me lembra, que por mais que nós tenhamos avançado tanto nessa liga nos últimos anos... ainda temos muito para mudar. Por que, vamos ser reais: Existem incentivos para diversidade de gênero no trabalho em basicamente toda indústria no mundo. Mais importante – é o certo. E a NBA ainda deveria ter um passe livre só por que alguns fãs querem pegar leve com nós?... por que somos “esportes”?

Realmente espero que não.

Espero que a NBA nunca se sinta satisfeita em ter pensando avançado “para uma liga de esportes”. Vamos nos esforçar em ter o pensamento mais avançado do que qualquer outra indústria.

Semana passada, não sei se você viu, mas o Suns contratou o primeiro técnico nascido na Europa da historia da NBA, Igor Kokoškov.

De qualquer maneira, isso foi uma noticia muito legal para a liga. Mas num nível pessoal... cara, vou ter que te falar: foi um momento especial pra mim. São 17 anos desde que fui escolhido no draft – e ainda posso lembrar de comentários na época. Era tipo, Ah, não... vocês não podem escolher um europeu com a terceira escolha. É loucura. Talvez no fim do primeiro round, sim. O garoto tem potencial afinal de contas. Mas top 5??? Top cinco... eles estão procurando por um jogador de franquia. Alguém com instinto assassino, e capacidade de liderança. E esses europeus – eles são moles, cara. Não, você não pode pegar esse cara com a terceira escolha.

E é claro que eles me pegaram com a terceira escolha. Agora, você vê que jogadores europeus são cotados alto no draft todo ano. É só bem ordinário. Esse ano, com Luke Dončić, quem sabe – talvez outro numero 1 vindo da Europa.

E esta sendo o mesmo com técnicos. No começo, nenhum time na liga estava afim de assistentes estrangeiros. Mas alguns times inovaram e começaram a fazer... e tiveram sucesso. E então você vê outros times fazendo o mesmo. E agora, Igor tem o trabalho de comandar o Suns.

E eu não quero comparar Igor com a Becky, por que não acho que é a mesma coisa. Mas eu penso que isso é lindo, sabe, ver a NBA começar a ver o resto do mundo. Por que é um mundo grande, né? E eu penso que todo momento que você expande seu horizonte, para algo novo e significativo... só pode te fazer uma pessoa melhor.

E também é por isso que eu estou tão feliz em ver esta liga estar à frente de tantos problemas importantes. E vejo que estamos nos juntando por algo tão importante como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam)... Vejo quando caras como o DeMar (DeRozan) e o Kevin (Durant) falando e sendo abertos quanto os seus emocionais... Vejo quando pessoas como o Adam Silver, nosso comissário, marchando numa parada LGBTQ... Vejo quando MVPs como Steph e LeBron mostrando para o mundo que ninguém é famoso demais para usar suas redes sociais para defender o que acreditam... e é claro, vejo quando uma franquia como o Bucks esta dando a oportunidade de uma entrevista para o lugar vacante de treinador principal para um candidato que – homem ou mulher – absolutamente merece.

Eu vejo isso em todo lugar na liga hoje, e me enche de orgulho.



Por que pra mim, esta liga – é minha família. E uma das coisas que vem em quando se tem uma família... é que vocês são os que podem ser mais importante para os outros. Vocês são os que podem contar um ao outro como é. Pois no final do dia, você sabe que tudo é só amor.

Então o que eu diria para minha família da NBA agora, eu acho que é, Ei – vamos continuar com o bom trabalho. Vamos nos orgulhar.

Mas também não podemos nos satisfazer.

Vamos reconhecer que um protesto não significa que nós resolvemos o problema de desigualdade racial neste país. Uma parada não significa que nós estamos fazendo tudo que podemos para o movimente LGBTQ. E uma entrevista de treinador não significa que resolvemos o problema de diversidade de gênero no nosso trabalho.

Uma liga mais complacente pode dar uma olhada nessas conquistas – e se sentir confortável falando, OK, nós conseguimos, nós terminamos. Mas a NBA não é uma liga complacente.

É uma ótima liga.

E para mim, uma ótima liga daria uma olhada nisso, e diria, nós trabalhamos muito e mostramos grande crescimento... mas ainda a muito o que fazer. Uma ótima liga diria, isso, esse é o progresso – mas esta não é a linha de chegada.

Espere e verá. Estamos apenas começando.


Pau Gasol
SAN ANTONIO SPURS
Carta traduzida pelo @PTXpecial

O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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quinta-feira, 26 de abril de 2018

Eu sinto falta do Sonics



As pessoas vêm até mim quando me veem em Seattle e dizem coisas do tipo, “Hey, onde você está morando agora, cara?”
“Seattle, cara. Eu nunca parti.”
Ninguém acredita em mim quando eu falo que estou aqui desde 1989. Quero dizer, depois de eu deixar o Sonics para ir para Cleveland — por volta de 1997 — eu rodei um pouco na NBA antes de a minha carreira terminar. Mesmo quando eu estava jogando na Italia, eu sempre mantive minha casa em Seattle. Não tinha duvida de que voltaria algum dia. E, você sabe, muita coisa mudou aqui. O coração da cultura ainda é o mesmo. Mas muita coisa mudou
Mas cara, a cidade não é mais a mesma sem o basquete. Não é como costumava ser.
Isso é engraçado de pensar agora, mas em 1989 eu era o cara mais jovem da NBA. Um garoto de 19 anos — e eu sou o primeiro a admitir que eu não sabia nada sobre como ser um profissional ou viver sozinho. Não parecia grande coisa para mim. Eu era jovem. Eu estava faminto. Eu queria enterrar nos tolos, sair a noite, e enterrar neles de novo no próximo dia.
E eu tive sorte. Muito dos caras que entram na liga com essa mentalidade não duram muito. Eu aprendi com cara como Xavier McDaniel, Nate McMillan, Michael Cage — os veteranos que estavam em Seattle quando eu cheguei lá. Todos eles me ensinaram desde cedo que havia muito mais no jogo do que esperar para dar uma enterrada.
Meu ano de rookie foi uma grande transição. Eu era um adolescente que tinha que começar a seguir regras, treinar duro na academia todos os dias, estudar os outros jogadores – apenas me educando no basquete. Eles sempre dizem, “É um emprego”, mas isso só se torna um emprego se você aprender a como lidar isso como um emprego.
Então foi assim meu ano de rookie — crescendo um pouco. Quando voltei para o meu segundo ano, eu estava pronto para mostrar todo meu potencial. Eu não iria deixar nada me distrair de ser dominante.
Nós tivemos a segunda escolha do draft daquele ano.
Nós escolhemos um cara chamado Gary Payton.


Gary já tinha falado, especialmente vindo de Oregon-Washington. Ele era um All-American. Ele já estava na capa da Sports Illustrated, tudo isso.
Eu me lembro da primeira vez que eu o vi jogar. Foi no meu ano de rookie. Eu acho que foi em uma sexta-feira a tarde, e o nosso GM, Bob Whitsitt, me chamou. Ele me disse para assistir o jogo de Oregon State-USC na TV porque tinha a possibilidade de Gary ser meu futuro companheiro de equipe. Foi engraçado, ter um GM pedindo para você dar uma de scout — como realmente assistir, realmente estudar o jogo de um prospecto. Naquela época eu estava tentando ser um profissional e um bom companheiro de equipe. Eu queria levar meu trabalho a sério.
Você sabe qual foi a minha memória principal daquele jogo? O trash talk do Gary. Não a defesa dele, foi o seu trash talk. Ele falava com todos. De antes de a bola subir, até o apito final ele estava falando — e tipo, com raiva, não brincando. Nos dois lados da quadra, aos caras no banco de reservas, aos fãs do USC, árbitros — não importava. Ninguém estava salvo. Eu me lembro de colocar a minha cadeira perto da TV para tentar ouvir o que ele estava falando para o técnico da USC. O técnico do time adversário, cara! Um garoto da faculdade. Eu amei aquilo. Gary tinha algo a dizer para todos.

Ele terminou o jogo com 58, se não estou enganado.

Logo depois que o jogo terminou, eu liguei para o nosso GM.

“Se nós escolhermos um cara como esse, você não terá que fazer nada para me motivar.”

Isso foi o que falei a ele.

“Se nós pegarmos Gary.  Nós dois nos daríamos muito bem.”

Bernie Bickerstaff foi o técnico no meu ano de rookie. Depois K.C.Jones entrou no próximo ano, ano de rookie do Gary. Logo de cara, Gart e K.C. não se deram bem. Muitos anos depois, Gary e eu ainda falamos sobre como K.C. ensinou nós, o quão importante ele foi no nosso desenvolvimento. Ele era durão, mas você tem que lembrar. K.C veio do Celtics, de uma cultura vencedor, treinando alguns dos melhores jogadores da liga. Ele preparava jogadas para o Larry Bird e o Kevin McHale.

Então, de repente ele teria que criar jogadas para Shawn e Gary. Com nós, cara, nós éramos garotos. Nós tínhamos muito talento, mas não sabíamos lidar com aquilo ainda.

Eu acho que as pessoas não apreciam realmente o que K.C. Jones fez pelo time do Sonics. Mesmo naquele um ano, ele ensinou a nós muito sobre maturidade fora e dentro da quadra. Gary e eu ainda conversamos sobre o quanto ele nos preparou para os próximos anos.

Uma das coisas que eu demorei a conseguir foi ser consistente em todos os jogos. Na NBA, você tem que estar preparado para vencer todas as noites. Eu sei que isso é cliché, mas a verdade é que quando começamos com o Sonics, nós tivemos sorte. Eles já eram um time .500, com caras veteranos que conheciam a liga. Nós poderíamos ir lá e jogar um ótimo jogo, apenas no instinto. Fora da quadra, Gary e eu passaríamos nosso tempo em bares, ou jogando golf. Nós tentávamos fazer de tudo um pouco. Mas os grandes times da NBA, eles nunca tiravam um dia de descanso. Você treina durante toda a semana e, de repente, você está jogando contra uma dessas equipes, você é espancado.
Eu me lembro quando Xavier McDaniel me disse, na cara, que nós não poderíamos por o time nessa situação. Os veteranos não queriam perder tempo, e não apenas por as suas janelas estarem se fechando. Também era porque eles abordavam o jogo como profissionais.
Xavier e esses caras, salvaram eu e o Gary de ter uma carreira esquecida. Eles empurravam e tentavam nos manter responsáveis. Era engraçado porque eu era um pouco mais fácil de lidar. Definitivamente levou mais tempo para todos entenderem o Gary. Como eu disse, quando eu entrei na NBA, eu era confiante, mas ainda um bebe. Eu acho que eu percebi que todos me viam como um adolescente que veio direto de um high school em Indiana. Quando os caras mais velhos falavam para eu fazer algo eu fazia. Não fazia nada além disso. Isso é apenas o que qualquer um passa como rookie. Talvez você tenha que carregar uma mala extra ou pegar uma coca para alguém. Para mim não era grande coisa.
Gary, no entanto, não. Ele não estava tentando fazer essas coisas.
Ele foi a segunda escolha no draft e ele andava por aí como, sabe, carregar a bolsa de um cara não estava em seu contrato. Os caras ocasionalmente ficavam irritados com ele, mas na maioria das vezes todos deixavam as coisas para trás porque sabiam que Gary realmente tinha as habilidades e o coração aguentar o que ele dizia. É como se, mesmo em seu ano de rookie, todo mundo via como - Gary poderia ser o futuro dos Sonics. Mas se você fosse contar todos os jogadores ou técnicos que inicialmente não se deram bem com ele, então você não terá um banco muito profundo. Então houve um período de adaptação com Gary e todos. Mas valeu a pena.

Quando Gary se adaptou, todos viram o quão sortudos nós éramos tê-lo - e não ter que jogar contra ele. Gary fazendo o trash talk para todos no treino nos motivou. Nos fez melhor. Ele era um problema, mas ele era nosso problema.
Tem uma história que o Gary conta sobre um jogo de pré temporada onde ele faz o trash talk com o Michel Jordan e MJ envergonha ele. Eu me lembro daquilo. Eu acho que para o resto do time, quando vimos Gary falando merdas na cara do Jordan foi algo como... Foi simbólico. Foi um grande sinal. Uma criança escolhendo uma briga com o valentão da escola.


Eu sou sortudo. Eu vi MJ no auge, o começo dos anos 90-MVP-vindo-para-matar-você Michael Jordan. Eu estava apenas a um ano na liga naquele ponto, mas vamos lá — não demorou muito para todos perceberem que quando você jogava contra Michael, você poderia estar saindo do melhor jogo da sua vida, jogando em casa, jogando no seu aniversário - ele poderia ter a maldita gripe - o que for. Todas as probabilidades poderiam estar a seu favor, e então MJ marcaria 25 no primeiro tempo, mostraria a língua... apenas apontar em toda a sua organização. Ele viveu para isso.

Então, quando vimos o quão destemido Gary estava com Michael, nós o encorajamos. Todos iríamos ao seu ouvido, dizíamos para ele continuar, não para recuar. Gary nos deu toda aquela coragem e aquela luta que Seattle teve por muitos anos lá. Depois de algum tempo, conseguimos uma reputação. Seattle era físico. Nós íamos falar muito. Não importa se estávamos ganhando ou perdendo, essas equipes do Sonics eram especiais porque sempre pensamos que tínhamos uma chance de lutar.
Aquele foi o momento de rookie do Garry, e nem é tão ruim assim. Michael era Michael.
Quando eu joguei contra Bill Laimbeer pela primeira vez, eu peguei um pouco daquele remédio.
Era 1989. Eu vindo do banco como um rookie. Os Bad Boys em Detroit ainda estavam em pleno vigor, e vindo do seu primeiro campeonato.
Eu vinha jogando bem por algumas semanas. Nós estávamos ganhando jogos e eu estava enterrando em todo mundo. Eu estava pensando que iria dominar para sempre, como quando você está brincando com as crianças da vizinhança com o aro abaixado.
Nós tínhamos os Pistons pela frente e no começo do jogo. Eu tive um caminho aberto e enterrei em cima do Bill Laimbeer. Detroit pediu tempo. Eu estava me sentindo bem, vindo do tempo de quadra, eu vi Laimbeer apontando para mim.
Ele está apontando para mim?”
Ele não está apontando para mim, eu acabei de enterrar na cara dele.
Então eu apontei o dedo de volta para ele.
Os Bad Boys não tinham esse apelido apenas por causa que eles eram bons na defesa. Eles eram caras maus. Eles te machucariam, eu nunca tinha jogado basquete contra caras como eles. O tempo de quadra expirou, nós pegamos um rebote, e no outro lado alguém passou a bola para mim no garrafão.
Laimbeer estava atrás de mim.
Eu não sei o que aconteceu em seguida. Eu acordei no hospital.


Vou te contar uma coisa. Eu durmo muito mais do que costumava.
Sempre saindo, batendo nos clubes com Gary depois dos jogos. Parece que foi há muito tempo atrás. Ainda nos reunimos de vez em quando. Mas relaxou muito.
Minha mãe e a mãe do Gary ficaram amigas. Conheci a família de Gary e ele conheceu a minha muito bem. Nós até vimos nossos filhos jogarem basqute pelo universitário uns contra os outros em Seattle, não muito tempo atrás.
É surreal, cara. Nós brincávamos sobre isso muitos anos atrás, que um dia nós estaríamos assistindo nossos filhos jogarem basquete como nós fizemos.
E agora é tipo — ver o que acontece com eles na faculdade — é difícil de acreditar. Tendo a chance de dividir alguma das experiencias que tivemos como jogadores com nossas crianças e com as famílias uns dos outros... se você olhar para os tipos de homens que éramos naquela época e quanto mudou ao longo de tantos anos, é loucura.
 

Eu fui pai durante toda a minha carreira como jogador de basquete. Eu perdi muitos momentos com a minha família enquanto eu estava jogando, e isso as vezes é difícil de pensar sobre isso. E eu posso te dizer que eu certamente não era o melhor modelo para as minhas crianças. Mas eu sempre tentei aprender. E eventualmente você aprende isso, como o basquete — um compromisso importante diário.

Paternidade, basquetebol. Tudo demanda tempo. Exceto que na paternidade não tem técnicos ou veteranos te observando para ver se você está fazendo a coisa certa. Você está sozinho o caminho todo. Realmente, sou muito grato pela minha família, pela minha carreira e por ter feito algumas amizades duradouras. Grato por tudo.
“Stockton e Malone” é o que eu e Gary costumávamos a dizer nos treinos. Eles eram caras que nós nos espelhávamos, em primeiro lugar quanto tentávamos polir o nosso jogo. E é engraçado, esses são dois caras que você não pode mencionar o nome de um sem pensar no outro.
É uma honra agora quando eu ouço as pessoas falar a mesma coisa sobre Gary Payton e Shawn Kemp. É algo além do basquete — uma história na quadra e uma verdadeira amizade fora dela, mesmo todos esses anos depois.


Ainda estou aqui em Seattle, cara. Estou casado a 23 anos. Fui de passar todo o tempo na estrada sendo um marido e pai. Eu vi a cidade mudar muito, mas ainda tem os mesmos fãs apaixonados, e ainda é uma cidade que ama basquete, mesmo sem um time para torcer. Desde o dia que eu cheguei, sempre fui tratado muito bem pelas pessoas daqui. E o amor durou muito mais que minha carreira. Fui recebido de volta de braços abertos assim que meus dias de jogador terminaram.
O basquete me levou ao redor do mundo, depois de ver tanto por tantos anos, eu posso dizer com absoluta certeza que não tem outro lugar no mundo onde eu queria estar.
Mas tem algo que não está certo. Alguma coisa está faltando. Nós precisamos do Sonics de volta.
Grandes momentos do esporte aconteceram aqui. Muitas lendas dos esportes tiveram seus momentos em Seattle. Eu sei que se a NBA trazer um novo time seria uma bagunça, mas parece que está aqui sem o Sonics.
Eu acredito que vai acontecer — nós vamos ter o time de volta algum dia. Não sei quando ou como, mas eu sinto isso. Basquetebol vai voltar a Seattle.
E eu ainda estarei aqui quando isso acontecer.
O link para a carta original no Players Tribune está aqui.

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